Daniel Campos

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17/08/2008 - A extinção do brasileiro vencedor

Brasileiro só aceita título se for de campeão, e eu sou brasileiro! Embora eu pense exatamente assim, essa frase não é minha, mas do tricampeão mundial de Fórmula-1, Ayrton Senna. No entanto, essa frase perdeu o sentido ou, melhor, a prática. Nas Olimpíadas de Pequim os atletas tupiniquins estão felizes da vida com seus excelentes maus resultados. O que tem de verde-amarelo radiante por estar entre os últimos não é brincadeira. Será que Freud explica o contentamento de estar abaixo da expectativa?

Os vendedores de auto-ajuda que me perdoem, mas eu não engulo mais essa desculpa de que o Brasil é um país subdesenvolvido, onde ninguém investe no esporte e por isso nosso time é formado por um bando de coitadinhos. Primeiro, porque por aqui só se fala em esporte. Basta ligar a televisão e conferir o tamanho do espaço que os grandes jornais dedicam aos eventos esportivos. Jornalistas e narradores transformam simples competidores em heróis num passe de mágica. Só que quando chega a um evento sério como uma Olimpíada, o exército brasileiro cai sem dó nem piedade. E para onde foi essa pátria de heróis? Daí vem o velho disco das desculpas sobre a pobreza brasileira rodando na vitrola dos nossos ouvidos.

Eu já quebrei esse disco. A China é um país de um povo miserável com milhões de habitantes abaixo da linha da pobreza. A maioria trabalha de forma escrava e, para piorar, lá o governo consegue ser mais autoritário do que o nosso. Mas mesmo assim os chineses estão dando show. Para confirmar isso, basta dizer que eles estão à frente dos poderosos Estados Unidos da América na classificação geral. Por tudo isso, ligo a televisão e o que sinto é uma vergonha nacional. Pior do que os resultados são os comentários de que temos um desempenho maravilhoso.

Chega Olimpíada, sai Olimpíada e tudo fica na mesma. Os atletas voltam para a terra do pau-brasil, continuam a ser idolatrados e somos condicionados a sonhar com outra Olimpíada. O ufanismo que nos torna uma nação de idiotas é inabalável. Impressionante! Se você quiser continuar nesse oba-oba, tudo bem. Mas eu é que não vou ficar acordado de madrugada para comemorar um décimo lugar ou uma medalha de bronze. Podem me chamar de radical, de anti-esportivo, de desalmado, mas há uma diferença nítida entre campeão e perdedor. E ser o primeiro perdedor ou o octogésimo sétimo perdedor é tudo a mesma coisa.

Se a máxima "o que vale é participar" fosse realmente verdadeira não haveria o esporte. O esporte, em sua essência, é a busca pela vitória, pela superação, pela consagração. Se o que vale é competir, porque o goleiro não comemora quando ele toma um gol? Afinal, ganhando ou perdendo, ele está competindo. Acredito que assim como muitos políticos, os atletas andam prometendo demais e fazendo de menos. Reclamam que presidente viaja, que deputado viaja, que ministro viaja com dinheiro público. Mas e o que esses atletas foram fazer na China com nosso dinheiro? Turismo!? Já que ajudo a financiar essa pouca vergonha, tenho o direito de cobrar resultados!

Por trás de tudo isso, há a tentativa de instaurar um sentimento patriótico que pode ser convertido em votos nas eleições municipais. Afinal, quem torce pelo Brasil que não dá certo nas Olimpíadas é capaz de torcer pelo Brasil que não dá certo nas eleições. É o mesmo país que nos ilude, que fracassa, que não tem brio. Se a gente dessa nação tivesse o espírito daquele sueco que não aceitou ser medalha de bronze e não só deixou as Olimpíadas como deixou o esporte, seríamos algo melhor.

Pode me contestar, mas não me acostumo com a derrota, tampouco em viver para perder. Eu não admito que sejamos um país fraco ou corrupto a ponto de abrir caminho para um Schumacher da vida nos ultrapassar e ganhar as nossas custas. E para meu desespero ninguém faz nada. Ou melhor, todo mundo aplaude, assim como aplaudem as atitudes desastrosas de um Congresso ou os resultados pífios divulgados por um presidente. Ah! Brasil, assim fica difícil. Difícil de dizer: eu sou brasileiro, com muito orgulho e com muito amor. Saudades do tempo do Ayrton. No entanto, o exemplo de Senna não fecundou nos corações destes atletas que convivem facilmente com a derrota.

Para completar esse sentimento lastimável transformado em texto, deixo aqui meus parabéns aos donos do ouro. Afinal, brasileiro só aceita título se for de campeão. No entanto, depois desta Olimpíada, brasileiro deste tipo está tão em extinção quão a arara-azul.


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