Daniel Campos

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Jabuticaba

Jabuticaba. Talvez nenhuma palavra mexa mais com o meu imaginário do que essa. Um bosque. Um lago. Um desejo. As abelhas. As pessoas vindas de não sei onde com o mesmo objetivo. As bocas, grandes e pequenas, esganadas e delicadas, todas experimentando para ver em qual árvore a frutinha estava mais doce. Andava-se de um pé para o outro, sem parada certa. Mas quando decidia fazer do pé uma parda, subia-se, de forma experiente ou desengonçada, por aqueles galhos fechados. Aquela madeira centenária se vestia de negro. Como que quisesse vestir-se de glamour, vestia-se com um vestido de bolinhas de açúcar em um gosto que não sai da boca.

Havia quem enchesse a barriga, quem enchesse sacolas, quem enchesse baldes e quem enchesse os olhos daqueles olhos morenos. E ainda havia o carinho de escolher as mais graúdas para se levar para dar na boca de quem se ama. Eram crianças. Eram pais. Eram avós. Eram amigos. Eram desconhecidos. Eram ladrões. Todos envoltos na magia das jabuticabeiras. Ao contrário dos outros meses, setembro e outubro têm gosto de jabuticaba para uns e de saudade para outros. Eu mesmo que sempre estive no grupo da jabuticaba, agora enfrento o dissabor da turma da saudade. O destino fez questão de me colocar a mais de mil quilômetros de um pé de jabuticaba.

Em algum lugar, deve haver alguém engolindo a casca e outro alguém jogando fora a casca fina e negra da jabuticaba. Em algum lugar deve haver alguém engolindo o caroço e outro alguém jogando fora o caroço macio da jabuticaba. Em algum lugar deve haver alguém se deliciando com o caldinho da jabuticaba e outro alguém se fartando de jabuticaba na boca alheia. Em algum lugar deve haver alguém em silêncio e outro alguém estourando jabuticabas na boca. Em algum lugar deve haver alguém conversando com quem está no galho mais próximo e outro alguém se enclausurando no silêncio das jabuticabas.

E a época das jabuticabas trazia uma vibração, uma corrente, uma torcida especial. A torcida para o final de semana chegar logo. A torcida para que o calor não fosse demais a ponto de murchar a fruta. A torcida para chover muito na florada e para chover pouco na época das frutas pra não as melar. A torcida durante toda a transformação das frutas que de verdes se tornam avermelhadas, amarronzadas e negras. E a torcida por uma chuva breve, quando em cima do pé, para que as jabuticabas escorram como uma tinta negra e doce pelos troncos e tinja de doçura as almas.

Eu longe daquele bosque, daquele lago, daquele gosto. Diante dos meus olhos, nenhuma jabuticabeira nasce do concreto. Como uma provocação barata, as bancas dos camelôs estão repletas por jabuticabas. Entre bancas de caju, de morango, de goiaba, as bancas de jabuticaba. Elas me levam a outro mundo. O mundo das roupas manchadas pela nodoa das jabuticabeiras. O mundo onde se termina o almoço de qualquer jeito (ou nem se almoça) só para correr para a árvore mais próxima e ficar lá o resto da tarde. O mundo de estar entre o medo e o desejo das frutas e das abelhas alvoroçadas pelo perfume do açúcar. O mundo das jabuticabas que, como viúvas negras, matavam-nos de prazer naqueles galhos retorcidos. Em mim, ficaram as sementes. As sementes do desejo de um dia ter em meus lábios um beijo de jabuticaba.


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