Daniel Campos

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30/11/2011 - Mundo peçonha

Sem conseguir vislumbrar o horizonte, sigo de arrasto como serpente por esse chão áspero e pedregoso. Serpenteio movido não por sangue, mas por veneno. Veneno alheio. Minhas presas estão sempre preparadas para o pior. Provoco gritos, alvoroço, pavor. Não tenho piedade ou compaixão. Afinal, forjaram-me assim. Não sou víbora porque quero, mas porque preciso. Não tenho saída. É a maneira que encontrei para continuar vivo, ou melhor, sobrevivo. Porque cobras não vivem, sobrevivem.

Serpentes não desfilam, seguem camufladas, escondidas, sorrateiras. Sigo me arrastando por ali e por aqui como sinal de castigo. Sou culpado por um pecado que não é meu. Porém, pertenço a uma raça condenada ao sofrimento. E é preciso ter cuidado com todos, sem distinção, quase não há diferença entre uma cobra coral falsa e a verdadeira. Não tenho pernas, ao menos não pernas visíveis aos olhos cotidianos. Aliás, meus sentimentos, meus desejos, meus quereres também são invisíveis...

Em cada canto há a ameaça de uma pedrada, de uma paulada, de um tiro. Sou caçado, açoitado, silenciado a todo instante. Querem me matar, me enjaular, me comer e me jogar fora. Falam de mim como falam do diabo. Não sou bem vindo em lugar algum. Minha língua segue solitária. Meus olhos fechados por escamas querem me proteger do mundo ao meu redor. Sigo me ferindo rumo a um destino que é a peçonha do mundo.


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