Daniel Campos

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05/01/2012 - Paixão italiana

Nem mesmo as décadas de distância conseguiram apagar as lembranças de sua língua. Mantinha um forte sotaque italiano. Aliás, para ela, certas palavras só existiam em seu idioma natal. Qualquer um ao abrir sua janela da sala enxergava um amontoado de prédios e ruas abarrotadas de carros e pessoas num constante vai e vem. Já ela via uma paisagem completamente diferente, bucólica, com campos verdes e casas de pedra. É como se aquele tempo se encontrasse intacto dentro de sua cabeça. Um primor.

Mesmo vivendo em um apartamento pequeno ela não tem parada. Como se fosse uma primavera constante, usa vestidos com flores pequeninas e sandálias baixas. Para bordar ou costurar precisa colocar óculos. Os passos de hoje são bem mais curtos do que aqueles de antigamente. Chegam a raspar o chão. As rugas e manchas da idade cedem espaço para os sorrisos fartos daquela que, mesmo em tempos difíceis, sempre teve fartura de coração. Amor à moda italiana, com dramas e cantorias.

Fala mexendo os braços fortes de tanto bater polenta no fogão a lenha. Até hoje, quando a deixam cozinhar, faz uma polenta cortada na linha de se comer rezando. Por falar em reza, impossível contar o número de ave-marias e padre-nossos rezados por ela durante o dia. As mãos estavam sempre entrelaçadas com um terço de madeira e não faltava vela no altar de Nossa Senhora. Em meio a netos, bisnetos e baciadas de macarronada feita a mão, contava histórias que marcaram sua juventude. Historias da mama que um dia foi ragazza.

Enchem-na de cuidados e mimos. Porém, isso não é suficiente para que ela se sinta completa. É como árvore replantada. As raízes originais foram cortadas, as folhas caíram e os frutos se perderam. A árvore vingou, voltou a criar raízes, folhas e frutos. Acostumou-se com outro sol, com outra terra, com outro vento. Porém, a saudade ainda dói. Se pudesse, queria tombar em seu chão. Lá onde ela ainda se vê dançando nos braços de seu Ângelo. Depois que se tornou viúva há doze anos, não tem um dia sequer que ele não a convida para dançar. Pena que é só uma dança.


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