Daniel Campos

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05/06/2015 - Santa do alto do morro do boi da cara branca

Lá no alto do morro do boi da cara branca, não tem asfalto só carranca. Lá no alto do morro nem a deus se pode pedir socorro porque deus por lá já deu adeus. Lá no alto a mulher só anda de pé no chão ou de sandália, pois o chão não se dá com salto. Lá no alto quando se quer noivar, casar, ficar para sempre é preciso fugir, partir, seguir antes de beijar. Lá no alto o espinho nasce antes da flor e o que se dirá do amor? Lá no alto do morro do boi da cara branca, a tensão é tanta que desejo proibido morre eletrocutado. Quem tem passado comemora por ter sobrevivido, mas chora por nunca ter dali partido. Violão segue calado, palhaço vive emburrado, pivete masca gilete e toda gente se declara inocente. Lá no alto do morro do boi da cara branca a força tanta não é dos soldados nem dos bandidos mal-encarados nem ainda dos mal-amados, mas de quem controla do perdão à esmola, de quem sabe do que voa, do que rasteja e do que rola. Lá no alto do morro do boi da cara branca quem arranca o que quer de homem ou mulher é a Santa. Santa é mais bruta do que a pedra que sustenta toda a gruta. Nasceu no Norte, deu nó na morte, e fez sua sorte no alto do morro do boi da cara branca e ali se agiganta. Santa manda prender, manda soltar, manda sofrer, manda matar. Santa anda e desanda a vida de quem bem quer. De dia é homem que não treme, a noite geme como mulher. Anda armada e nua como lhe convém, já levou facada e tiro, já sequestrou e foi refém. Santa não tem fama de fazer milagre, mas já dividiu ao meio uma lagoa de bagre e pegou pelo rabo um tigre dente de sabre. Muita coisa se conta de Santa, mas ela mesma não fala de si, nem do que sonha nem do que fez nem do que apronta. Para Santa, Santa nunca está pronta. Gosta de tomar sua cachaça, que consegue de graça, e andar tonta pela cabeça do morro do boi da cara branca. Não admite ser feita de monta nem errar na conta. Santa tem cabelo comprido, corpo de bandido e um ar mais do que atrevido. Não sei se mais por fé do que por medo, o povo do morro bota seus pedidos, suas moedas, suas vidas aos pés de Santa. Santa faz chover bala, faz corpo queimar, faz traidor pagar, faz doação a sua própria mala. Santa é de se drogar e de se achar em qualquer lugar. Mas aí de quem mexe com Santa, pois Santa não é de se beijar nem de conseguir perdoar. Santa é do pau oco e não foi feita para se quebrar. Santa corta a cabeça de quem for, por amor ou por falta de amor, no toco que fica lá no alto do morro do boi da cara branca. O que dá na cabeça de Santa ela faz sem pensar no que será que devia ter feito. Para Santa tudo tem jeito, o seu jeito. Vive de ajeito e quebra o mundo no seu peito. Santa tem tanta cicatriz e jura que nunca foi feliz. É de comer prato cheio e de não fazer volteio. Com ela nada é por um triz; Ou é ou não é assim que se diz. Santa não aceita flores e não gosta de vela, prefere o escuro e dois dedos daquela que lhe faz ainda mais Santa. Santa fala alto e firme como rei. É a lei do alto do morro do boi da cara branca que quando escuta Santa até se levanta. Santa espanta. Santa espanca. Santa impõe respeito com sua anca. Santa rebola e dá o que quer. Santa deita como homem e rola como mulher.


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