Daniel Campos

Pêssegos de Vênus


1997 - Romance em sonetos

Editora Auxiliadora

Resumo

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Pêssegos de Vênus

I

Vermelho e forte grita o galo em canto
Espargindo a nudez da madrugada
E anunciando todo sorriso e pranto
Contido na manhã de lua embriagada

O sol era uma sincera promessa
Querendo romper a treva soturna
Na qual a chama lunar atravessa
Solitária, na paisagem noturna

Aves desatam suas asas ao anil
Saudando o incerto destino a nascer
Na canção da desesperança vil

A terra exala o cheiro do capim
Úmido no orvalho do anoitecer
E as estrelas sussurram o seu fim.



II

A escuridão recolhe a sua grinalda
Nova vida suspira no céu inverso
O mugido se transforma em um verso
Riscando nossa viola ensolarada

Meu avô já está no lugar de costume
Saboreando os primeiros raios do dia
Entre um cigarro de palha e o perfume
Do mato, embevecia-se de poesia

Ao chegarmos ao singelo curral
Os animais ainda estão a despertar
Para alguns, a noite continua real

Os matutinos dissipam no céu
A vida começa a desabrochar
Quando um anjo rasga da noite o véu.



III

Quente, o leite mergulha no latão
E borbulha branco e leve em espumas
Um pequeno bezerro corre em vão
No chão de dentro entre cupins e plumas

As galinhas ciscam todo o terreiro
Vigiadas pelo galo de olho atento
Os marrecos no lago e os coqueiros
Lado a lado, no balé azul do vento

Os porcos com olhares sonolentos
Rolam nas palhas e esperneiam de medo
E afundam-se às tetas do sentimento

O meu avô se delicia com a lida
E eu rumo aos pessegueiros em segredo
Encontrando-me com restos de vida.



IV

Entrego-me à cena quotidiana
Só, recostado em um ipê sem flor,
Ponho-me a observar a nascente insana
Cercada por gramíneas de pintor

A água brota corrente pela terra
E escorre tímida até cair no corpo
Do lago que a acolhe e num golpe a enterra
Em suas profundezas. O vento em sopro

Encarrega-se de casar o lago
Às águas da terra num desaguar
De sonhos, de tonturas e de afago

Gota a gota as águas finas vão embora
Mas a nascente continua a chorar
No seio de pedra, a correnteza aflora.



V

Adentro à casa amarela que exala
Por todo ar o perfume extravagante
Do café torrado que cheira e fala
Às brasas que queimavam excitantes

Notas de piano escorriam da janela
Enfeitiçando nosso rude ambiente
Girando chaves abrindo tramelas
Libertando nossa sina pungente

Lado a lado, avô pai mãe rei e plebeu
Todos rodeando a mesa longa e farta
Nos dissabores de um falso apogeu

Tudo acontecia como diariamente
Só o cachorro no tapete da porta
Olhava-me de um jeito diferente.

Observação do autor: Quer saber o desenrolar desta história? Em breve, você terá acesso aos 100 sonetos que compõe este romance feito de terra, pêssegos e um amor maior. Aguarde.


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