Daniel Campos

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10/05/2011 - As pílulas de minha avó

Hoje, em especial, se minha avó estivesse aqui, com um riso meio que tímido meio que inseguro nos lábios, traria algumas pílulas na mão. Não me refiro às pílulas de farmácia tradicional ou de manipulação, tampouco pílulas coloridas, sintéticas ou efervescentes, porém, pílulas de papel. Não eram pílulas receitadas por um médico ou, por um farmacêutico ou por um desses programas de televisão. Eram pílulas mágicas, segundo ela. Não tinham bula ou maiores inscrições. Só existia uma indicação: era preciso tomar com fé e confiança. E serviam pra quê? Pra absolutamente tudo, tanto para as dores do corpo quanto para as da alma.

Minha avó não era enfermeira ou curandeira, mas se pudesse curava todo mundo com suas pílulas. Pena que isso não dependia só dela, uma vez que pro remédio fazer efeito, de fato, quem o ingerisse precisava acreditar piamente na cura. E raros eram os que não duvidavam daquelas pílulas de papel escrito com palavras difíceis de entender e dobrado quatro, cinco, seis vezes. Aliás, o certo era tomar sem tentar entender. Afinal, essas coisas de fé, de cura, de milagre devem ser vividas sem maiores explicações. Minha avó tomava aquelas pílulas com um pouco de água, entre orações, pedidos e silêncio.

Pena que minha avó não teve tempo de dar essas pílulas para meu avô quando se descobriu que ele estava com câncer. Quando ela se foi, as pílulas que trazia das missas matinais que participava no seminário pararam de chegar e assim tudo ficou mais doente. Ela se foi de uma forma que pílula alguma conseguiu impedir. Nos últimos dias de vida tomou punhados de pílulas trazidos pelas enfermeiras. Mas ela queria tomar não as pílulas dos hospitais, mas as da igreja. E quando um homem apareceu trazendo três delas na mão, minha avó não titubeou. Tomou-as de uma só vez pedindo, com toda fé, pelo fim das dores que a castigavam nos últimos tempos.

Com os olhos mareados, agradeceu ao enfermeiro que lhe trouxe as tão pedidas pílulas. Era um homem alto e forte, que ao contrário de vestir branco andava de marrom como frades franciscanos. A senhora de cabelos claros disse que seu rosto não lhe era estranho e perguntou seu nome. Ele disse se chamar Antônio e desejando-lhe paz se foi dizendo que tinha outros pacientes para medicar. As pílulas não deixaram minha avó sair do hospital com as seqüelas inevitáveis do acidente que fraturou sua coluna, mas possibilitaram que ela fizesse uma passagem rápida e sem dor.

Coisa daquele enfermeiro chamado Antônio. Antônio de Sant’ana Galvão.

Observação do autor: Hoje, dia 11 de maio, é dia de frei Galvão, um dos santos de devoção de minha avó Adélia Coser Barbosa.


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