Daniel Campos

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19/06/2013 - Dor caipira

O sítio ainda me dói. E me dói em seus terrões vermelhos, em seus pés verdes, em seus sulcos de água de mina. Quão doloridas são as lembranças daquele chão que por tantas vezes percorri descalço. Lembranças que cortam como vento que fecha as tardes de inverno. Dói ouvir o canto dos pássaros que não ouço mais. Dói olhar para as mãos ainda marcadas pela terra roxa. Dói saber que o tempo me separou daquele mundo de uma forma que não tem mais volta. Por força do destino, parti levando comigo a dor da falta.

A falta de passar horas nos galhos das jabuticabeiras ainda me dói. A falta do ronco encorpado do trator perdido numa quarta de terra ainda me dói. A falta de um dos tantos cachorros correndo ao meu encontro ainda me dói. A falta das valsas do campo ainda me dói. A falta do caldo da manga espada escorrendo pelos dedos ainda me dói. A falta dos apitos do trem ainda me dói. A falta do gado, das galinhas, da passarada ainda me dói. A falta do tempo de chuva se formando no horizonte ainda me dói. A falta das prosas caipiras ainda me dói.

Longe do sítio, sou maria-fumaça sem trilhos. Longe do sítio, sou chapéu de palha sem sol. Longe do sítio, sou boiadeiro sem berrante. Longe do sítio, sou fogão sem lenha. Longe do sítio, sou pomar sem fruta. Longe do sítio, sou cocho sem comida. Longe do sítio, sou plantação sem colheita. Longe do sítio, sou planta sem esterco. Longe do sítio, sou violeiro sem viola. Longe do sítio, sou cavaleiro sem montaria. Longe do sítio, sou bezerro sem leite. Longe do sítio, sou árvore sem raiz. Longe do sítio, sou dor sem curandeiro.

O sítio ainda me dói. E me dói cada vez que escuto uma nota de toada. E me dói cada vez que me deparo com uma trova de lua. E me dói cada vez que eu encontro um causo de assombração. E me dói cada vez que a boca enche d’água dos sabores da roça. E me dói cada vez que o sangue caboclo fala mais alto no meu peito. E me dói cada vez que os cavaleiros do tempo laçam a minha vida. E me dói cada vez que toco em frente e encontro tudo o que ficou para trás. E me dói cada vez que eu cruzo estrada com uma saudade rancheira.


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