Daniel Campos

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26/02/2011 - Drinque de chuva

A chuva dá cor, cheiro e significado às coisas. É impressionante como uma simples chuva muda o tom de paisagens inteiras. Essa água vinda das nuvens guarda um mistério – serão as pinceladas do criador reavivando a criação? Sinto que é na chuva que Deus está mais próximo. É uma forma dele se fazer presente e tocar sua obra sem causar alardes. Adoça os frutos, dá folhas novas, alimenta os rios, germina as sementes, lava as urucubacas, perfuma, renova o espírito.

Na chuva cada milímetro de matéria ganha intensidade e beleza. A chuva tem algo de dramático em seu espetáculo, que é feito naturalmente de quedas. A maioria dos filmes aproveita da chuva para emocionar o telespectador. “Singin' in the Rain” é um exemplo disso. A cena em que o personagem interpretado por Gene Kelly canta e dança na chuva mexe com qualquer um. É o milagre da chuva, que revira emoções dentro e fora de nós. Quem nunca se lembra de um fato marcante, um beijo, por exemplo, sob chuva?

O problema é que hoje as pessoas já não se entregam à chuva. Não posso me molhar porque vou chegar molhado no trabalho, vou desmanchar o penteado, vou estragar o sapato, vou pegar um resfriado, vou borrar a maquiagem... Além de fugir da chuva, muitos ainda a associam somente a eventos negativos, como enchentes e desmoronamentos. A chuva, que é a materialização diária de Deus em algum lugar do mundo, pingo a pingo, já não é bem-vinda como no tempo em que era recebida com danças e cantorias.

Sinto-me cada vez mais solitário nesse ofício de tomar chuva como quem toma seu drinque predileto.


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