Daniel Campos

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Fábrica de rótulos

Apenas uma questão de tempo. Sem maiores cerimônias, conheceremos através dos noticiários televisivos, das capas de jornais, do burburinho das ruas,..., o primeiro clone humano. Alguns irão estourar champanhe, outros ranger os dentes e outros, simplesmente, calar-se-ão. Como proibir experiências científicas, quando a bomba atômica foi "testada" em uma cidade que não era fantasma. Querendo ou não, o clone humano está a caminho.

Não vou discutir o assunto tendo a visão presa às correntes clássicas. Peço licença aos papas e aos cientistas. Abram alas para a polêmica. O fruto proibido ou a glória? Tentarei me despir dos conceitos preestabelecidos e tanger a discussão para o lado que me atrai - o lado humano.

O que nos faz é a diferença. Somos diferentes porque somos imperfeitos. É aí que está a nossa beleza. Evoluímos, mas não ao ponto de sermos fabricados em série, como um exército de top models. Só nos relacionamos e nos apaixonamos porque amar é conviver em meio ao contraste. Buscamos o que nos falta, o que nos é utópico, ou seja, o perfeito. As diferenças nos seduzem. Caso contrário, nós conversaríamos e faríamos juras de amor eterno em frente ao espelho. E não sentiríamos a falta de nada. Tampouco saberíamos o verbo "sentir".

Mas e os gêmeos, trigêmeos e ?similares?? Por mais que se pareçam, há sempre um detalhe que os distingue. A diferença no campo interior é linda. Ninguém reage, sente ou enxerga as coisas da mesma maneira. Não importa se certo ou errado, se feio ou bonito, o ser humano se diverge. Nunca será alcançado o estágio da perfeição. Somos povoados de defeitos e qualidades (em relação a um modelo, um parâmetro padrão que determinamos ou que nos é determinado). Ao criar o ser humano imune a doenças e de aspecto físico ideal, seria deixado de lado algo fundamental, o charme. Não há graça no artificialismo.

O clone é uma ilusão. Talvez até uma frustração. Tudo não passa de mais uma batalha imaginária e mesquinha, na luta que se trava contra a morte. Todavia, entendê-la é nossa maior conquista. Não somos para sempre, pelo menos enquanto carne. O clone é a tentativa de nos imortalizar. Clonar é assumir o medo em relação ao fim. Clone: esforço, polêmica e decepção. Como num sonho de Hitler, uma fábrica de clones produziria rótulos e mais rótulos. Mas só plasticamente falando. Imagine o resultado catastrófico de criar um Garrincha sem drible, um Tom Jobim sem piano e uma Leila Diniz que não saberia ser Leila Diniz.

Amamos. E isso é fato. Vamos supor que por um motivo qualquer nos afastamos da pessoa amada. Anos depois, depararíamos com a imagem da criatura amada e iríamos ao seu encontro, loucos de querer bem, de sermos exatamente o que fomos durante o tempo em que acontecemos. Nós não, mas ela estaria com os mesmos traços da última vez. Voltaríamos no tempo. E mesmo vendo-a diante de nós, o abraço, as frases, o beijo não corresponderiam a nossa espera. Quem sempre nos amou e passou à condição de saudade, tampouco saberia o nosso amor.

A história acima pode parecer um despautério, porém é o que nos aguarda. Em maior ou menor proporção, nossas expectativas serão tidas como lixo. Não há dúvidas, a carga emocional é única. Não há gene que possa copiar um sentimento. Qualquer lembrança, desde uma roupa no armário até um álbum de fotografia é menos doloroso de se viver a um clone. Uma farsa. Uma cópia idêntica e pirata. Os mesmos traços físicos e as emoções desencontradas. É, mas não é. O clone humano teria a rápida sensação de êxtase e uma eternidade de fracasso. A nossa clonagem seria uma traição a nós mesmos.


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