Daniel Campos

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01/08/2011 - Mãe das sombras

Sua mãe vivia para destruir sua paz. Sua verdadeira vocação era infernizar a vida pessoal, profissional, sentimental e espiritual do filho. Perseguia-o. Torturava-o. Combatia-o. Era uma guerra maternal sem fim. Se pudesse, ela transformaria o cordão umbilical em rédeas só para fazer o filho puxar sua carruagem estrada afora. Tratava-o como um subalterno, um submisso, um subpedaço de seu corpo. Queria que ele fosse seu empregado, seu escravo, seu animal de estimação. Ah! Como ela desejava tê-lo como um daqueles bibelôs que ela tira o pó e leva para onde quer, mantendo-os na unha.

Se tivesse meios para fazê-lo, ela o engoliria só para que ele voltasse para a sua barriga. Queria-o dentro de uma masmorra, independentemente se a masmorra fosse de pedra, de ferro, de vidro ou de carne. Fazia intriga. Fazia chantagem. Fazia bobagem. Não admitia ser deixada de lado, em segundo plano. Queria que o filho vivesse para ela, ou melhor, queria viver a vida do filho. Queria roubar para si a juventude, os projetos, as emoções e os prazeres do filho. Era desses demônios que tentam a todo custo possuir o corpo, a vida e a alma de outra pessoa.

Não admitia que ele fosse nada mais que ela. Nem mais feliz, nem mais realizado, nem mais bonito. Preferia vê-lo todo sujo e rasgado numa sarjeta do que sorrindo numa vida alheia a dela. Ela o vigiava, o sabatinava, o matava pouco a pouco. Conhecia seu calcanhar de Aquiles e fazia questão de feri-lo mais e mais a cada dia. Ficava feliz em ver o filho por baixo, doente, prostrado. Queria encontrá-lo no fundo do poço com a esperança dele voltar para seus braços. E quanto mais queria isso mais o filho fazia das tripas coração para dar o próximo passo.

Se pudesse moraria em outro continente, em outro planeta, em outra galáxia. É uma pena que não tenha conseguido inventar uma máquina do tempo para viver em outra época. Ela o sufocava com seus dramas. Ela tirava seu sono, fazendo-o rolar na cama. Ela o enrolava em suas tramas. Espetava-o como um desses bonecos de vodu. Era capaz de todos os tipos de malvadeza e malfeito. Senhora da inveja, tinha o dom de semear tristeza em seu peito. Mas, para os outros, dizia ser a melhor mãe do mundo, encenava uma cara de boa moça e até mesmo chorava se fazendo de vítima.

Era uma artista. Seu principal talento era o de manipular, de iludir, de enredar. Era casada e branca, caso contrário poderia ser confundida com uma viúva negra. Era um encosto. Um fardo. Uma penitência. Pensava e agia diferente demais do filho, tanto que ele chegou a investigar se não fora trocado, ou melhor, roubado na maternidade. Talvez ela fosse a cruz de um novo Jesus. Talvez fosse a paga de seus pecados em vidas passadas. Talvez ela ao contrário de ter lhe dado a vida deu-lhe a morte.


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