Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
Mar de sândalo

Como um mar, ela crescia, decrescia e crescia novamente por onde passava. Em certos dias, ela passava num mar revolto. Noutros, mar manso. Mas sempre crescendo, decrescendo e voltando a crescer. Era marcada pelo movimento. E não era dançarina, atleta ou coisa e tal. Era uma mulher sem endereço fixo, sem telefone fixo, sem identidade fixa. Mares não são fixos.

Mares têm nome, mas dia estão aqui, dias estão ali e outros acolá. E ela era sim e não. Cheia ou alta, como uma maré que obedece ao calendário lunar, ela emergia e submergia em sua própria inconstância. Entre o seu crescer, decrescer e tornar a crescer, o tempo passava em um intervalo que ia de míseros segundos a semanas, meses, anos inteiros. E nesse momento, pranchas surfavam pelo seu corpo. Um corpo que não era de sol nem de algum bronzeado barato. Era um bronzeado de areia. Ao invés dos poros, seu tecido parecia formado por grãos de uma areia macia. Por isso, a sensação de que a qualquer momento ela poderia voar nos braços de uma tempestade de deserto. E vivia esperando por uma arrevoada de vento.

Tem um caso com netuno e se perfuma nas rosas de Iemanjá. Tem um transatlântico de segredos em cada olhar. Meio passista, meio banhista, meio escafandrista. Passa por olhos marmanjos que a banham de olhares. Homens que, como guarda-vidas, subiam em escadas da imaginação e se posicionavam naquele posto lá do oitavo andar dos céus de onde se punham, como amantes rasteiros, a vê-la passar crescendo, decrescendo e crescendo de novo como o mar. Mar de ondas bravias. Mar de espumas e tubarões. Mar de tesouros e piratas de perna de pau.

Ao passo do seu movimento, os olhos dos anjos de tanto olhar para baixo, tropeçam nas franjas das nuvens. Anjos com tatuagem no braço e parafina nas mãos. Mas nem esse desequilíbrio celeste tirava daquele cenário o papel principal vivido pela mulher que passa na cabeça de quem fica de ponta cabeça só para ver seu crescer, seu decrescer e seu outro crescer. E nessa dança, feito de ciclos viciosos e de fases viciadas, a mulher deixava pelas estradas de si própria uma infinidade de anjos caídos que a seguiam catando saudade como quem cata conchinhas.

Os anjos mais desesperados vestiam suas máscaras e mergulhavam no universo da tal mulher. Os ainda mais desesperados invocavam piratas e andavam nas pranchas de antigos galeões só pelo prazer de serem arremessados aos dentes famintos daquela mulher. As outras mulheres, por inveja ou respeito, escondiam-se atrás de seus guarda-sóis. E ela, que vestia algo que não se sabia se era uma saia ou uma saída de praia, passava crescendo, decrescendo e crescendo mais uma vez nos mares tão altos quão fundos da ilusão.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar