Daniel Campos

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29/03/2013 - Maria anoiteceu

Maria amanheceu mais calada do que costumava amanhecer. Maria amanheceu sem querer comer nem ao menos um pedaço de pão. Maria amanheceu sem conseguir engolir nem um copo d’água. Maria amanheceu sem disposição para cantar a canção que mais gostava. Maria amanheceu acendendo vela. Maria amanheceu pagando promessa. Maria amanheceu rezando sem parar. Maria amanheceu com vontade de ficar sozinha. Maria amanheceu sem ter dormido um minuto sequer.

Maria amanheceu com um aperto ruim no peito. Maria amanheceu com o coração apertado. Maria amanheceu com a maquiagem borrada de tanta chorar. Maria amanheceu sem querer ir ou ficar. Maria amanheceu com a certeza de que dali em diante nada seria como antes. Maria amanheceu sem poder fazer nada para mudar o destino. Maria amanheceu de luto mesmo vestida de branco. Maria amanheceu sem saber o que ia ser de si. Maria amanheceu em meio a um sentimento de perda.

Maria amanheceu em busca de um sinal. Maria amanheceu e nem se deu conta de que precisava arrumar a cama, pentear o cabelo, olhar-se no espelho. Maria amanheceu nublada. Maria amanheceu chuvosa. Maria amanheceu das dores, do perpétuo socorro, da boa morte. Maria amanheceu com o instinto ferido. Maria amanheceu com o salto quebrado, de pés descalços. Maria amanheceu com olhos crucificados. Maria amanheceu com tontura. Maria amanheceu com asas quebradas.

Maria tão logo amanheceu anoiteceu.


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