Daniel Campos

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02/10/2011 - Mulher e pássaro

A mulher é pássaro que voa longe. Seus cabelos são como nuvens, que passam por nós. Suas costas vão roçando o horizonte e sua boca bebendo sol comendo lua. Quando ela abre suas asas ninguém sabe onde vai parar. Vem e vai ao vento, varrendo céu, cruzando mar. Rompe plantações, porteiras fechadas e estações. Voa molhada de chuva e de prazer. Voa azul turquesa, lilás, amarela, vermelha e negra ao anoitecer. Faz pouso nas estrelas e nas gaiolas do seu absoluto querer.

No alto do salto de um sapato alto ou de um sobressalto, a mulher faz seu vôo. Um vôo cego de intenções, de aflições, de orações. Um vôo em que deixa para trás o tempo fugaz, os olhos do rapaz, os amores surreais, as paixões carnais, as desilusões fatais. Precisa de leveza de alma para voar. Não pode levar sobrepesos de expectativas ou de solidões contigo. Precisa se desligar de seu umbigo e se entregar ao infinito como se o nada fosse o seu único e mais bonito abrigo.

Aonde ir? Pra onde voltar? A única coisa que interessa é que a mulher-pássaro precisa voar. Voar pelas bocas, cantar como louca e sempre achar que as horas lhe são poucas. Precisa escapar das armadilhas, alimentar suas filhas, acumular suas milhas. A mulher-pássaro dança pelos ares como se fosse semeada ao deus-dará num sopro de Obatalá. Ela não tem medo da morte mesmo voando de encontro ao seu próprio fim. Tem o peito macio e um brilho nos lábios como flor alada de cetim.

Voa como colibris, como oitis, como bem-te-vis. Voa como abelhas indígenas sem ferrão. Voa por aí, de beijo em beijo, produzindo mel e canto. Voa como harpia, como poesia, como um suspiro de nostalgia. Voa como vagalume, como cardume na piracema. Voa como o extinto trema sobre as letras. Voa como deuses, fadas e outras criaturas mágicas. Voa como tempo clandestino, como veleiro no oceano, como pernas num tango. Voa pássaro, voa mulher, voa como ave de tailleur.


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