Daniel Campos

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12/03/2016 - Na biblioteca

Interior de biblioteca. Pessoas leem em mesas apilhadas de livros e outras caminham com exemplares nas mãos. Uns vasculham estantes e outros, páginas. A bibliotecária traz olhares de um final nada feliz. Em uma das mesas, Lia está lendo ao lado de Luiz, que por sua vez tem a sua frente vários livros abertos. Ele rabisca em um bloco olhando para ela com olhos intensos, tão intensos que a incomodam. Lia muda de mesa. Luiz, sem qualquer cerimônia, segue a moça ficando ao lado dela. E, no novo posto, continua lançando olhares indiscretos para o rosto e para a parte do corpo da moça que escapa aos seus olhos. Lia murmura pedindo para ele parar. Luiz sussurra que é impossível, pois ela não o deixa parar.

Luiz continua olhando e rabiscando. Lia muda de lugar novamente e ele acompanha o seu andar. Quando ela se acomoda em uma nova mesa, agora com mais pessoas, Luiz novamente a segue e pede licença para uma pessoa, que cede o lugar para ele se instalar com livros e bloco ao lado dela. Os olhos dele vidrados e a mão rabiscando de forma compulsiva fazem Lia ficar totalmente perturbada, chegando a suar. Gotículas de suor vão se formando e pulsando pelo rosto e colo de Lia, que diz não estar achando graça daquela perseguição. Luiz, sem fazer rodeios, contradiz a moça dizendo que ela reúne toda a graça. Ela pede por favor. Ela pede clemência. Ela diz não. E Luiz fala sim sem emitir som algum, apenas gesticulando a boca. E são inúmeros sim que vão bombardeando Lia sem que ela possa escutar a voz dele. Um sim de querer, de desejo, de vontade.

Luiz encara Lia, que vai se sentindo nua na frente dele. Ela também não consegue mais ler uma frase sequer. A troca de olhares se acentua cada vez mais, causando um estranho prazer. Ela já não quer mais fugir. Está presa por aquele desejo incompreendido e jamais experimentado nessas proporções. E, mesmo resistindo, ela se entrega a ele, deixando ser admirada, cobiçada, devorada por aqueles olhos famintos. Os outros continuam lendo seus livros, fazendo suas pesquisas, como se nada tivesse acontecendo. Lia e Luiz transcenderam, seus corpos estão ali e seus pensamentos estão em outro universo. De repente, ele se levanta, rasga uma folha de seu bloco e entrega para Lia, que olha com espanto. Quando ela se dá conta, Luiz está longe, com passos ligeiros.

Luiz passa pelo balcão, onde a bibliotecária continua com olhos de um final distante dos contos de fada. Luiz sai sem olhar para trás. Lia está ofegante olhando para o papel. Ela pega o celular e começa a digitar, o papel cai publicitariamente no chão, expondo um desenho de Lia feito de caneta bic, com os seios nus, com a assinatura de Luiz e um número de telefone. Lia, trêmula, continua digitando no celular com olhos fisgados por anzóis imaginários enquanto as gotículas de suor, nascidos do nervoso, explodem escorrendo por seu corpo quente, sinuoso e incerto.


Comentários

19/03/2016, por Emília Santos:

Muito bom. Intenso. Você consegue colocar a gente dentro do que escreve.


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