Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
O mar e os barquinhos de papel

Hoje, o olhar da mulher do mar se debruça de um jeito diferente. Dias como hoje, são dias com o mesmo sol, com a mesma lua, com o mesmo movimento de rotação da terra. Mas nos olhos da mulher do mar o dia acontece diferente. Talvez o sol tenha um pouco mais de brilho, embora seja inverno. Talvez a lua esteja uma pouco mais sozinha, embora continue com as mesmas companhias. Talvez a terra gire um pouco mais devagar, quadro a quadro, embora não tenha ares de cinema. Talvez. Entretanto, nos olhos da mulher do mar há algo de diferente. Não que seus olhos sejam comuns nos outros dias, porém, hoje, em especial, ganham um quê a mais.

Lá fora, faz-se o inverno enquanto nos olhos da mulher do mar ainda se vê a magia do outono. Seus olhos que se deixam levar pelo ar como as folhas das árvores. Folhas que mudam de cor, como se vestissem um vestido novo a cada dia. Inverno de meados de julho e seus olhos com tons de outono. Os olhos da mulher do mar soltos no ar, mergulhados em nuvens. Seus olhos vestidos de nuvens. Seus olhos passeando por entre balões e estrelas. Balões e estrelas que se acabam no mar de seus olhos, numa festa de luzes, por entre barquinhos de papel.

Entre suas voltas, sóis e luas caem no mar dos seus olhos. Seus olhos cheios de mar. Seus olhos cheios de barquinhos de papel. Papel cartão, papel jornal, papel crepom, papel de seda. Barquinhos de tantas cores e tamanhos. Barquinhos que navegam ora para lá, ora para cá. Navegam sem destino certo. Barquinhos. Em cada barquinho, uma promessa. Em cada barquinho, uma lembrança. Em cada barquinho, um sonho.

Barquinhos, fotografias ao mar. Não que se deva chorar, mas a cena dos barquinhos entregues ao mar de tão bonita chega a ser triste. E o olhar da mulher do mar é o porto dessa beleza triste. Ondas vão, ondas vêm, mas a beleza fica. Fica nos navegantes sem mar, que flertam seus olhos e, assim, podem sentir o sabor do mar, podem escutar as vozes do mar...

Barquinhos de papel. Alguns cruzam mares e se acabam em outras terras, em outros hemisférios, em outras ilhas. Quem sabe até em ilhas britânicas. Alguns se perdem. Mas não se perde a esperança de que um dia, voltem. Alguns se desmancham com chuvas e tempestades. Alguns afundam e escondem seus tesouros no fundo das águas. Mas são tantos os que continuam a navegar em seus olhos, em seu mar. Quantos desses barquinhos guardam segredos que até a mulher do mar quer saber? Quantos desses barquinhos levam coisas que só a mulher do mar sabe entender? Quantos desses barquinhos levam momentos que só a mulher do mar não consegue esquecer? Quantos desses barquinhos são um pouco da mulher do mar? Perguntas que não precisam de respostas.

Num ancoradouro imaginário, a mulher do mar segue, como em outros dias, dobrando seus barquinhos. As suas mãos e o papel. De repente, num sopro leve o barquinho ganha o mar. O mar dos seus olhos. Mais um barquinho levando sonhos, sentimentos, saudades... Porém, hoje, o mar tem algo de diferente. Mais uma tempestade se passa e o mar dos olhos da mulher do mar ganha novas ondas, novos barquinhos, novas fronteiras. À primeira vista, o mar continua o mesmo. Só à primeira vista. Mar de sóis e luas. Mar de outono. Mar calmo. Mar grande. Mar doce.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar