Daniel Campos

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O óbvio dos corações

"Bate outra vez, com esperanças o meu coração", este verso de Cartola vai além do óbvio. Nelson Rodrigues dizia que a graça da vida está no óbvio, mas não existe nada mais óbvio do que irmos além dele próprio. Perdão pela redundância. A vida parece não nos seduzir se for de uma obviedade descarada, se for certa demais, calculada ao extremo, consumada de acordo com nossos prognósticos... Por isso, o encanto está em descobrir as obviedades da vida. Parece simples, mas para realizarmos esse feito temos que ir para os confins dela, olhá-la de fora como um estranho e só então voltarmos a ela.

Retomando o verso, nada mais comum do que o coração bater outra vez, mas bater por uma esperança é, na menor das hipóteses, diferente. O coração que bate pela sobrevivência não foge da idéia de um músculo automático que não vive por si só. É o coração científico, é o coração mecânico, é o coração de plástico. E são tantas as pessoas que vivem porque o coração bate pelo simples ato de bater. Não discuto se ele deve ou não bater. Mas bate por quê? Por quem? Pelo quê?

O coração precisa ir além do estado de máquina, deve bater em levantes de esperança. Mas o que é a esperança? Segundo o dicionário, o ato de esperar o que se deseja. Todavia, o dicionário é reducionista por natureza. O conceito de esperança é maior do que um desejo. Esperança é uma razão que só se encontra em algo ou em alguém em virtude de um sonho. Esperar pela simples ação de esperar não nos levará a nada. Devemos fazer da esperança uma construção erguida sonho a sonho. Esperança de grandes fantasias ou de pequenas coisas. Não importa o tamanho do sonho, o que vale é ter sempre uma inspiração, uma procura, um desejo para o coração continuar a bater... Uma viagem, um perdão, um trabalho, uma mulher... O coração batendo pela esperança de um dia não mais esperar pela aparição da bem amada. Eis um motivo forte.

A esperança não deve soar em pulsações tristes num compasso marcado, mas deve ter um ritmo próprio. Que soe em jazz, em samba, em bossa, em blues, mas soe, ou melhor, pulse. Pulsemos uma esperança que tem por característica fundamental o desconhecimento de limites. Pulsemos uma esperança que, de tão extrema e simples, chega a pedir conselhos às rosas de um jardim.

O coração enquanto músculo um dia parar de bater. Infelizmente alguns corações se calam sem realizar as esperanças guardadas. Mas dizem ser ela à última que morre. Eu vou mais além e creio que ela não morre. E justifico. De tanto viver (pulsar) por uma esperança, pouco a pouco, nós vamos adquirindo sua forma, sua massa, seu espírito. Afinal, embora as rosas não falem, nós nunca abandonamos a esperança de escutá-las.


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