Daniel Campos

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07/03/2016 - O rio da sede

Vasculhei as gavetas. Abri os armários. Procurei sobre o roupeiro. Vi pelas pedras do aquário. Não achei letra alguma do seu paradeiro. Andei pelos canais da TV e nenhuma notícia de você. Bisbilhotei pela internet, encontrei a Beth, a Margareth, a Ivete, mas nada de você. Perguntei para o pivete do sinal vermelho, mas ele não me deu sinal do seu cabelo, do seu joelho. Questionei o espelho e ele ainda me mostrou você vivendo em mim. Seu cheiro ainda emana das flores do jardim. Sua voz ainda grita e geme debaixo dos lençóis. E eu amanheço, entardeço e anoiteço com esses tantos nós que não desatam e me desacatam numa falta, numa ausência, numa penitência que me mata. Risquei as cordas do violão, perguntei ao nosso cachorro da imaginação, cochichei com os porta-retratos e ninguém te viu por aí. Pedi para um bem-te-vi de te ver, mas ele sumiu daqui. Pedi para um pirilampo te assuntar, ele foi como um relâmpago para nunca mais voltar. Pedi para meu anjo da guarda te guardar e ele deu de me faltar. Tudo o que era meu foi com você, meu sentido, minha razão, meu porquê. Tudo seguiu seus passos, correu para seus braços, intuiu para seus laços. Tudo do meu futuro ao meu passado foi arrastado pelas águas da sua correnteza. Sua beleza me inundou, me aguou, me levou o que eu tinha e o que desejava ter. Um rio de tromba d’água, sem anágua, sem paga. Um rio perfumoso e malicioso, de curvas e curvedos, de tantos segredos. Um rio de riscos, coriscos, perigos que me deixou sem abrigo. Um rio devastador que dá de beber para depois minguar numa sede de amor. Um rio que enche o coração, preenche de ilusão e depois some, deixando para a gente apenas o nome e o vazio.


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