Daniel Campos

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21/09/2011 - Para lhe ver sorrir

Vou a Paris pedir pessoalmente para Claude Monet lhe pintar um sorriso impressionista. Hei de percorrer Ipanema até que Vinícius de Moraes lhe escreva um sorriso-soneto como era o seu, livre de qualquer métrica? Será que Mikhail Baryshnikov lhe ensinaria a sorrir na ponta dos pés? Quem sabe Tom Jobim não tenha um sorriso-canção inédito entre as teclas de seu piano. Com sorte, Mario Lago, vai lhe dizer como encenar um riso farto, capaz de convencer sua alma do estado de uma pseudofelicidade.

Vou lhe roubar o sorriso espontâneo de uma criança. Vou colocar em seu rosto o sorriso inocente, colorido de esperança, de uma dessas mocinhas românticas. Vou lhe trazer o sorriso venenoso das serpentes. Vou encomendar para um feiticeiro um sorriso de cura para sobrepor a tristeza da sua boca. Vou lhe oferecer o sorriso em falsete dos malandros. Vou lhe presentear com o sorriso solto dos loucos. Vou lhe propor o sorriso molhado dos anjos que se banham sob uma chuva de estrelas.

De uma forma ou de outra, quero sorrisos em seus lábios, em seus olhos, em suas mãos, em seus seios, em suas costas, em seus pés. Quero ver seu trabalho, seus passos, seus sentidos, seu sexo, seus plexos abrirem intensos sorrisos. Quero vê-la com sorrisos gritando, explodindo, cantando, sonhando... Sorrisos abstratos e sorrisos concretos. Sorrisos de ar, de fogo, de água e de terra. Sorrisos elementares e complementares. Sorrisos em perspectiva, forjados por engenheiros, arquitetos e mestres de obra.

Quero sorrisos de santo e de orixá. Quero sorrisos nus e arrastando mantos. Quero sorrisos hemorrágicos e coagulados. Quero sorrisos em película, em cetim, em papel reciclado. Quero sorrisos fonéticos e geométricos. Quero sorrisos expostos e proibidos. Quero sorrisos de senos, cossenos e obscenos. Quero sorrisos peregrinos, mensageiros de destinos. Quero sorrisos cirúrgicos e de improviso. Quero sorrisos navegantes e piratas. Quero sorrisos escafandristas e astronautas.

Preciso devolver o sorriso que perdeu. Que perdeu num canto da noite, numa boca de lobo, numa dobra da rua, num banco de praça, num lenço de papel, num vento leste. Não há de poder continuar assim com esse vazio na expressão. Falta-lhe o sorriso, que hei de providenciar de uma forma ou de outra, independentemente dos custos financeiros, espirituais, morais. Hei de perturbar deuses e demônios, luz e sombra, prazer e dor até conseguir recuperar, reconstruir, libertar seu sorriso.


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