Daniel Campos

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22/08/2010 - Peão apaixonado

O boiadeiro vai rompendo o fim da madrugada pelos campos do sertão. Seus passos amassam o orvalho enquanto seu rosto leva as chibatadas do vento frio. O vento aberto da invernada chicoteia para lá e para cá. Que Deus e Nossa Senhora protejam aquele homem que tem o corpo coberto das marcas da vida, que enfrenta com peito aberto e um coração de boi. Com chapéu deitado na testa e olhos no horizonte o homem caminha entre a luz e a escuridão assoviando uma canção:

Ê boi, êê boiada estrelada
É por vocês que ainda caminho
Tocando esta estrada
Sou peão sem um par de esporas
Pantaneiro sem tuiuiú
Meu cavalo ficou esquecido
Perdido jururu pasto afora
Deixei de lado as comitivas
As pousadas e as quermesses
E uma morena que de saudade chora

Ê boi, êê boiada estrelada
É por vocês que ainda caminho
Tocando esta estrada
Deixei pra trás as modas de viola
A pinga e a companheirada
Meu berrante ficou mudo
Meu cachorro campeiro se foi
Fiquei sozinho no mundo
Mais a lua malhada
Chorando a morena da madrugada

É assim que aquele boiadeiro vai amanhecendo o dia. Sozinho na estrada de luas, sóis e estrelas prateadas. Pisando em lembranças, esse peão caminha marcado a ferro e brasa por um amor desses que duram a vida inteira. Paixão tamanha capaz de amansar touro bravo. Caminha ao lado dos bois, tocando a boiada e sua vida. No entanto, caminha como se fosse mais um daqueles bois, sem saber ao certo onde sua estrada vai dar. Se é que vai dar em algum lugar senão na própria morte. Ê peão, êê boi, todos entregues à própria sorte.


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