Daniel Campos

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Pirâmide de sal ou de açúcar

Uma pirâmide cresce no meio de um deserto feito de muitas árvores, rios e flores. Não importa se as árvores são magérrimas, se os rios estão submersos e se as flores estão descoradas pelo sol que arde unânime no céu. O que importa é que esse reino existe em torno daquela pirâmide que não é de pedra, mas de sal ou de açúcar.

A distância existente entre a mulher e a pirâmide não a permite sentir o gosto e, por ordem superior, não há vento nem doce nem salgado a ventar por ai. A pirâmide está ao lado do horizonte mais profundo daquela mulher que corre em vão para encontrá-la. Quanto mais corre, mas longe a pirâmide se coloca. Comporta-se como a peça de um tabuleiro de xadrez que acuada pelo desvario do oponente, foge. Ou melhor, joga.

Seus olhos enchem de águas e de desejos torrentes. Sua boca saliva um tempo que ficou. Na vida passada, havia sido uma odalisca de sete véus dourados. Ela que já dançou para reis ganhando ouro e noites de furor, hoje sobrevivia, em meio a tempestades de areia, ensinando moças a seduzir. Era professora de dança do ventre. Foi essa a única herança que lhe sobrara daquela época. Mesmo contra o bom senso de todos, ela cismava que um nilo de mistérios e de encantos corria em suas veias.

A pirâmide ao fundo profundo de seus olhos estava mais para uma miragem tropical do que para um obelisco. Ao contrário do amarelado costumeiro, o branco gélido. O branco do sal ou do açúcar. Nem múmias, nem faraós, nem encantadores de serpentes. O que havia dentro daquela pirâmide era o deserto que não existia do lado de fora. E ela caminhava tirando as espadas, os punhais e os véus de seu corpo na tentativa de ficar mais leve e flutuar em movimentos de braços e mãos até o corpo daquela pirâmide.

Propositalmente, a pirâmide aflorava ainda mais o deserto que já consumia e assediava e tomava aquela mulher em seu dia a dia. Ela estava tão longe da base quão do cume da pirâmide. Tão longe da entrada para uma outra civilização. Tão longe do portal para uma felicidade perdida e tão doída que quebrava e requebrava em seu íntimo a ponto de produzir ondulações abdominais de quadril e de tronco que, por si só, faziam surgir outras pirâmides atiçando a libido alheia.

No cúmulo da loucura, desejava camelos. Montada num deles, galoparia como na anca de um alazão e chegaria aquele triângulo que desafiava o tempo perdida de prazer entre as corcovas e a visão de um tempo antigo, povoado por deuses que não conseguiram salvar seu povo. Mesmo assim, diante daquela pirâmide de açúcar, ela queria expor toda sua sensualidade como se praticasse um ritual sagrado. Ao fim do rito, ela estaria pronta para ser mãe de um novo tempo.


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