Daniel Campos

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Poesia plena

Lá estava ela. Tão perto, ao alcance de minhas mãos. Engraçado... Eu que sempre a tive em rimas estava pela primeira vez diante de seus olhos. Eu que sempre a tive no papel acariciava pela primeira vez sua pele. Eu que sempre pedi que viesse, passei a pedir para não ir embora. Em quantos poemas eu desenhei sua boca em palavras sem nunca tê-la tocado. Em quantos poemas eu dancei em seus passos sem saber que passava descalça. Em quantos poemas eu falei da sua saudade sem que ela tivesse surgido na minha vida de forma tão nítida. Eu sempre achei que a encontraria. Sempre tive essa certeza dentro de mim. Por mais esquisito que isso possa parecer, essa certeza sempre caminhou comigo. Eu me assumi poeta quando tinha 17 anos. Desde então, foram anos a fio de uma espera louca até que ela me chegasse por completo. Nesses anos todos, sempre a tive em pedaços. Seja no papel ou em outras mulheres. Eu passei esses anos todos procurando seus olhos em outros olhos. Eu passei esses anos todos tentando um poema perfeito. E esse poema só foi me acontecer quando, pela primeira vez nesse tempo todo, vi-me frente a frente com ela - a mulher amada. Eu que escrevi tantos poemas ao longo desses anos todos, diante daquele encontro a única impressão era a de que nada fora escrito. Tudo era novo. Tudo era inédito. Tudo era começo. Por quanto tempo eu sonhei com o momento de encontrá-la. Por quanto tempo eu sonhei os olhares, o jeito, o perfume dessa mulher que me habita há muitos anos (presumo que ela nasceu comigo). Por quanto tempo eu sonhei os sonhos dessa mulher. Por quanto tempo eu sonhei a essência, em toda inocência e em toda indecência, dessa mulher. Por quanto tempo eu sonhei com um beijo dessa mulher. Por quanto tempo eu sonhei aquele beijo. Quantas páginas de papel eu deixei pelo caminho na tentativa de construir aquele beijo em estrofes. Poesias que falavam da temperatura, da textura, da pulsação, das cores, dos sabores, dos perfumes, dos movimentos, da umidade, das vontades, da velocidade, dos teores, dos efeitos e de tantos outros detalhes daquele beijo. E pensar que nenhum escrito meu jamais alcançou a intensidade daquele beijo. Os sete céus e todos os infernos de Dante se calaram naquele beijo. O mundo se revirou pelo avesso naquele beijo. Os anjos tiveram sexo naquele beijo. Uma bailarina deixou sua caixinha de música e rodopiou pelas ruas durante aquele beijo. Enquanto se dava aquele beijo, alguém deve ter tido a certeza de que em algum lugar o amor existe. E de fato, existe. Em todos esses anos, quando eu pedia inspiração eu chamava essa mulher que sempre me esteve próxima. Em todos esses anos, quando eu escrevia "mulher amada" em um pedaço de papel eu falava dessa mulher que há sempre me esteve próxima. Em todos esses anos, tentei descobrir o nome dessa mulher. E hoje, sei que ela se chama poesia. Em todos esses anos, suportei a solidão porque eu sabia que um dia a minha poesia se faria completa na beleza dessa mulher. Como eu sonhei com aquele encontro. E o beijo foi o ápice, a prova, o milagre. De uma vez por todas, a boca da poesia em minha boca, consagrou-me poeta. Sonhei. Sonhamos.


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