Daniel Campos

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Sem rumo

Não sei quem sou. Sei que ando. Não sei o rumo. Piso em folhas secas que não agüentaram esperar pela primavera e que os jardineiros não tiveram pressa para varrer. Ouço vozes. Olho para os prédios e só vejo vida nas luzes que ultrapassam os vidros das varandas. Janelas. As vozes pareciam ser do concreto. Mais a frente, um cachorro me olha desconfiado. Mais a frente ainda, um grupo de seis meninas ensaia uma coreografia. Passos para lá. Passos para cá. E meus passos são para frente. Para frente rumo ao passado. Ao passado do futuro.

Angústia. Uma dor de sentimento. Eu não sabia que sentimento doía tanto. Ainda não havia experimentado as dores renais ou do parto, mas nada me parecia pior do que esses sentimentos latejantes. Saudade em vários tempos e distâncias. Amores incompletos. Incertezas. Eram gritos dentro de mim que diziam o que eu não queria ouvir. No meio do caminho, um casal de mãos dadas, um banco vazio e uma dose de uísque. Uma série de dúvidas, de inseguranças, de inquietações.

Coisas tão claras e tão nebulosas se misturaram num coquetel e me tomavam. Eu andava como que querendo fugir de mim. Não havia ninguém disposto a ouvir um desabafo. Mas a cada espaço parecia haver um espelho para eu me assustar comigo. Era como se garras me rasgassem de forma interna. A cada passo, eu parecia mais machucado. Ora parecia arder, ora parecia tremer. Calor. Frio. Delírio. Medo. Estava afetado. Estava torturado. Estava desequilibrado. Nada me bastava. Tudo parecia me faltar.

Cortes. Rasos e profundos. Eu parecia tão grande em mim. Eu parecia que ia desaparecer de mim. Eu me advertia e me rendia. Eu, uma coisa fraca e intensa. Eu, um contraponto ambulante. Eu não sabia o que fazer. Só sabia que tinha que andar. Não tinha para quem pedir desculpas e eu não aceitava as minhas próprias desculpas. Tentava me enganar, mas faltava imaginação. Eu, sem paradeiro e com um vespeiro dentro de mim. Eu trocava passos com meus passos. Eu, nem atrasado nem adiantado. Apenas fora do tempo.

Eu não sabia o que pensar, o que falar, o que inventar... Eu andava correndo ou fugindo da mulher que surgia em todas as tentativas de eu a esquecer e sumia em todas as tentativas de eu a alcançar. Surgia e sumia com olhos de gelo do uísque que eu nunca bebi.


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