Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
Sinal vermelho

Num cruzamento sujo de ruas sujas ela surge suja diante da vermelhidão suja da luz suja de um semáforo sujo, ela, de toda suja, leva um tabuleiro sujo colado à cintura suja com balas e chicletes sujos. Unhas sujas, cabelos sujos, colo sujo, pés sujos. Encardida. Cheirava mal. E ali, por entre carros sujos de motorista sujos aquela mulher vendia doces emporcalhados. Em meio a tanto lixo, a poesia tão logo nascia, era devorada por abutres e urubus mais sujos ainda.

Recebia algumas moedas sujas que, na verdade, eram sujas como as esmolas sujas que recebia pela pequena fresta suja de vidros sujos de mãos imundas. O sol sujo fazia escorrer um suor fedorento em seu corpo sujo. Bicas de uma água poluída ganhavam seu corpo sujo. Seus olhos eram sujos seja de remelas sujas ou de visões mais sujas ainda. Seus ouvidos eram sujos seja de cera ou de maldições. Seu nariz era sujo seja de sujeira ou dos cheiros podres que sentia.

Sua boca era suja, seja dos dentes mal escovados ou, nunca escovados ou das palavras sujas que falava. Seus pensamentos eram sujos. Sua vida era suja. Morava sujamente, vivia sujamente, comia sujamente. E sonhava sonhos sujos. Também, ao longo de toda a sujeira de seus 29 anos, nunca havia ganhado uma única flor suja que fosse. Talvez porque dificilmente rosas brotam no meio de um chiqueiro. E ela era vista como uma porca. Quem havia de querer beijar aquela boca de hálito sujo. Quem havia de querer abraçar aquele corpo seboso? Mas para seu bem ou para seu mal havia quem a quisesse.

Homens mais porcos ainda corriam porcamente suas línguas porcas sobre aquela pele porca que acumulava tantas porqueiras. Homens sujos que a deitavam em meio a sacos de lixo. Sujos homens encostavam-na em paredes emboloradas. Sujos homens sujos corriam suas unhas sujas por aquele corpo sujo deixando, muitas vezes, escorrer um sangue sujo. E o sexo era tão sujo como aqueles ratos gigantes que gritavam tão ou mais alto que os gritos de um prazer sujo daquela mulher.

Entre a dor suja e o prazer sujo, ela se sentia ainda mais suja, ainda mais porca, ainda mais imunda. Mas logo já voltava ao semáforo sujo vendendo seus doces tão sujos quão amargos.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar