Daniel Campos

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Vidas que sangram

A natureza está morrendo. A frase parece banal ou óbvia demais, quando, na verdade, é de uma simplicidade forte. Uma morte silenciosa. Sem línguas de fogo ou gemidos de dor. Estamos em franca extinção. Não sorria ou ache que é mais uma profecia como tantas outras que não se cumprem. Não sou profeta. Sou apenas um observador dos sentimentos do mundo.

Você que agora lê essas pobres linhas, olhe a sua volta. Exceto se estiver num sítio, nos poucos que ainda sobrevivem, quase não encontrará o verde. As árvores restantes se contorcem entre fios, condenadas pelas podas criminais. Seus olhos, já cinzas, irão se encher de concreto. Ah! A dor dos olhos de concreto. Espere! Pare por alguns segundos a leitura e tente escutar o canto de algum pássaro. Não falo de pássaros engaiolados ou aqueles de aço. Silêncio... Onde estão os pássaros? Onde estamos??? Perguntas... O inverno passa sufocante, com febre e saudade do frio. A seca se alastra e, a cada novo ano, abraça mais dias do calendário. O céu é borrado em tantas cores artificiais que lhe roubam o azul. O meio ambiente é estuprado em praça pública. A palavra é forte, mas se faz necessária. Estupro!

A mão que semeia a terra é a mesma que a violenta. Seres humanos. Filhos da revolução industrial. Filhos da ganância. Filhos que renegam a mãe. O concreto cobre a terra, abortando assim toda a espécie de vida presente em seu ventre. O concreto áspero e frio. Onde se via pássaros, há cortinas e mais cortinas da fumaça das chaminés. Os rios são águas passadas, eis os esgotos que vão correndo pela selva do asfalto. O homem vela suas sobras de vida e quando vier a perceber... Tchan tchan tchan.. Será tarde demais.

Certamente, alguém irá argumentar que o processo industrial gera empregos, progresso e outros "benefícios". A ignorância é cega. Esse alguém nunca deve ter aberto uma cancela, pisado descalço na terra úmida, apreciado um pôr-do-sol, bebido água de mina, saboreado frutas no pé, deitado na sombra de uma árvore não pensando em mais nada senão nas coisas simples da vida. Num ato mesquinho irá mencionar o lucro. O que dizer da ascensão do turismo ecológico. A terra por si só é uma fonte inesgotável de lucro e prazer.

Mas e o progresso? O progresso é uma faca de duas lâminas. Há os que ferem e os feridos. O progresso? Um discurso político barato. Ao retirar da terra a possibilidade de gerar vida, acaba-se com os argumentos da defesa. O setor industrial precisa de um limite. Uma linha que permita o "desenvolvimento" e o respeito ao meio ambiente. Respeito! Pouco se escuta esta palavra nos dias de hoje. É triste o sistema capitalista que nos cerca. Quem tenta argumentar a favor da vida é esmagado como uma barata de olhar sorrateiro. Mas havemos de concordar num ponto: baratas são menos nojentas do que muitos seres humanos. Benefícios? Não!!! Interesses. A nossa política é impregnada por interesses. Entretanto, não devemos desistir e deixar a natureza morrer em nossos braços. Braços cansados de tanta guerra, braços feitos de terra. Amantes da vida: uni-vos.

A terra extinta. E não será preciso convocar os cavaleiros do apocalipse. O homem que visa o bem estar individual, não o social, é o apocalipse. Se surgimos do pó e a ele retornaremos, um dia não haverá de onde vir mais pó e os que sobraram não terão para onde retornar. Não gozaremos nem a cova com palmos medida, nem larga nem funda, para o nosso defunto pouco. Nós, os severinos, buscaremos a lembrança que logo será apagada. A terra virgem... A beleza nua e viva. Os que ocuparão o nosso lugar, talvez só conheçam essa terra por meio de fotografias. A vida restrita as fotografias. Fotos que desbotam e sangram.


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