Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
29/11/2013 - Encontro em 3 atos

Imagine a seguinte situação: você está sentada(o) na plateia de um teatro. Escolha o seu lugar, onde fique mais à vontade. De repente, as cortinas se abrem. Há vários homens vestindo roupas pretas, caminhando olhando para o chão. Como cenário, três árvores secas, um banco de madeira, um prédio ao fundo cheio de janelas e um piano de cauda com um pianista que toca uma música enfadonha. Então, entra no palco o Sentimenteiro, que é um homem que vive pura e simplesmente de sentimentos. Vem vestido todo de branco e com pés descalços. Traz amarrado em suas costas, dezenas de balões vermelhos em forma de coração. A música muda, fica angustiante. Ele caminha olhando para o céu, em busca de uma estrela. Porém, há muitas nuvens de chuva. Nuvens pesadas. Há diversos raios cortando as nuvens. Então, um raio ilumina de vez o palco e um trovão ensurdece tudo. Começa a chover (a chuva é de papel picado). A música fica eletrizante. Ao contrário dos outros homens, o Sentimenteiro não corre da chuva, tanto que ele fica sozinho no palco. Continua olhando para o alto e correndo para lá e para cá. De repente, ele para. A música para. Os raios param. Tudo fica escura. E uma luz busca a janela do prédio, onde está a estrela que o Sentimenteiro tanto procurava. A Estrela, que é uma mulher, dança naquela janela, como não se importando com mais nada. O pianista volta a tocar, só que agora uma música de fundo romântico. As luzes iluminam também o Sentimenteiro, que já está com os balões em sua mão, como se fosse um buquê de corações. A Estrela segue dançando, como que em outro mundo, vivendo o seu universo particular. Ela está vestida com tecidos leves, esvoaçantes, e uma pintura que brilha cobrindo seus braços, seu rosto... Com olhos de contemplação, completamente apaixonado, o Sentimenteiro abre a boca e começa a libertar seus sentimentos na forma de palavras, mais precisamente, de versos. Para representar os sentimentos subindo à Estrela, o Sentimenteiro vai soltando um balão de cada vez. De forma emocionada, ele escancara seu coração à Estrela:

Estrela, estrela
Como ser assim
Tão perto, tão perto
E sempre tê-la
Sem sabê-la
Quão longe de mim

Desce deste céu
Ò estrela colorida
Envolve-me no teu véu
Ilumina todo o meu ser
Afasta-me deste sofrer
Desta vida de deserto

Deixa-me dependurar
Nas tuas pontas
Ò estrela flamejante
E me diz o que apronta
E como é amar e amar
Longe deste inferno de Dante

Conta-me o que quer
Que eu te dou agora
Meu sangue? Meu pranto?
Meu canto? Meu feto?
Meu sonho mais dileto?
Meu afeto? Meu teto?

Então, o que você quer
Que eu fique? Vá embora?
Meu peito? Meu gemido?
Meu eu de todo despedido?
Meu ar? Meu gostar?
Meus olhos? Meus óleos?

Diga, diga, o que você quer
Eu quero você sem demora
Quero seu amor proibido
Seu beijo claro e raro
Quero provar sua libido
Sua estrelitude de mulher

Vem, vem pro meu mundo
Nem que for por um segundo
Que tudo seja mais que eterno
Por uma fração temporal tão pouca
Esqueça o tenro e o fraterno
E se joga daí numa paixão louca

Estrela, ò estrela, me escuta
Não tema ser assim maluca
Desça até minha mortalidade
Permita que eu te tome
E antes que venha a saudade
Me toque, me provoque, me come

Estrela à procura do destino
Brilha um tanto mais pra cá
Esqueça as leis estelares
Permita-se a outros lugares,
A minhas aventuras e desatinos
Deixa eu te carregar

Acredita em almas gêmeas?
Em metades separadas
Que precisam se reencontrar
Olha minhas mãos trêmulas
Daí do alto não há estradas
Entre nós, só há um punhado de ar

Você fala, entende o que eu digo
Ou quer que eu desenhe corações
Estrelados como o meu que é seu?
Sussurra ou grita, mas fala comigo
Acaba com esse comboio de solidões
De desencontros, lutos e adeus

Vem pro meu lado, pela galáxia
Deixa o passado de esparta, de viena,
De budapeste, de berlim, de trácia
E vem pro meu lado, ser meu poema
Meu cântico, minha dança, meu drama
Meu suor, meu melhor, minha cama

Não se perca nesse universo disperso
Admita que já fomos mais distantes
Não suma, não parta, não despareça
É só isso, por favor, só isso o que peço
Admita que o que sentimos é gigante

Estrela, estrela, acredite, é mágico
Mas é real, é possível, é concreto
Não precisa e nem deve ser trágico
Se sou humano e você estrela
Não importa, o importante é tê-la
É temo-nos tendo o céu como teto

Estrela, estrela
Como ser assim
Tão perto, tão perto
E sempre tê-la
Sem sabê-la
Quão longe de mim

Observação do autor: Amanhã (29), neste mesmo espaço, o segundo dos três atos. Não perca, neste sábado, a resposta da Estrela.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar