Daniel Campos

O Castigador


2010 - Romance

Editora Auxiliadora

Resumo

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06/05/2010 - Capítulo 18

Orientação espiritual, quem precisa?

Dona Valentina se depara com um Sebastian abatido e atordoado, que entra em casa de braço dado com Malena, louco por banho, café e descanso. Ela está no sofá conversando com alguns amigos. São duas voluntárias que ajudam no trabalho social do centro espírita e o médium Gastón, que a auxilia nas atividades espirituais.

Ao abraçar o genro, diz à meia voz que precisam conversar. Ele pede alguns minutos para se recompor. Ela diz entender sua situação, mas que já perderam tempo demais com essa prisão. Dona Valentina disfarça, ficando na sala com as amigas e a filha, para tratar de um almoço beneficente, enquanto Sebastian vai até o escritório com o médium. Segundo ela, Gastón precisa de uma orientação jurídica.

No entanto, a única orientação que acontecerá ali é espiritual. Sebastian se vê em situação de desconforto, pois além da aparência castigada e do fedor que emana de seus poros, não está acostumado a conversar com espíritas. Ainda mais um médium. Se com a sogra já sente certo incomodo em lidar com assuntos dessa natureza, o que dizer de um estranho?

Os dois se olham por minutos sem dizer nada. O médium repara naquele homem abatido, de nervosismo visível, querendo fazer-se forte a qualquer custo. Já o promotor fixa o olhar naquele senhor vestido com olhos e trajes discretos. Tem pouco mais de cinqüenta anos, cabelos ralos e óculos de lentes bastante grossas.

Gastón, percebendo a inquietação de Sebastian, pede que se acalme. O promotor, sentindo-se acuado, responde como que se desafogando:

- Como posso ficar calmo depois de uma noite horrível sendo perseguido por fantasmas, de ter o freio do meu carro sabotado, de ver minha carreira afundando, de quase ter matado uma criança, de ter escutado pregações absurdas da boca de um fanático, de ter lutado com um empresário que coloquei na cadeia, de ter sido ridicularizado por um advogado que Malena arrumou e de não ter conseguido encontrar o tal perfume amadeirado e a roupa verde água que dona Valentina precisa para dar um jeito nisso tudo.

O médium tenta convencer o promotor que todo esse processo é normal. E mais: alerta-o sobre a tendência dos castigos aumentarem mais e mais. Quanto ao que não encontrou, pede para continuar tentando. Os espíritos ruins trabalham arduamente pelo insucesso dessa tarefa. É missão deles, como fracassados nos mais variados aspectos, boicotar a vida, os sonhos e as realizações dos encarnados.

Gáston pede para que ele se esforce para se lembrar de mais coisas relacionadas à sua avó. Diz que já descobriram uma das pessoas que está alimentando dona Soledad: Jorgeliana Alvear, mãe de Sebastian Alvear.

O promotor abaixa a cabeça num misto de indignação e vergonha.

Ela tem se concentrado muito nessa questão da separação do filho. Nunca aceitou Malena como nora. Em suas orações chega a pedir a ajuda da mãe. Mas Jorgeliana não está sozinha. Há mais pessoas encarnadas empenhadas em trazer a infelicidade para a vida do casal. Pessoas que, não necessariamente, conhecem dona Soledad. Mas ela faz uso das energias ruins que são lançadas contra Sebastian para se fortalecer.

Na verdade, dona Soledad se transformou em uma espécie de espírito obsessor. De uns tempos para cá, vive para castigar, punir, destruir aquele que foi seu neto nesta encarnação. Segundo o médium, está obcecada em trazer transtornos e prejuízos à jornada de Sebastian.

Por julgar ter sido prejudicada por ele, busca, na obsessão, uma espécie de vingança. Com isso, ela também se prejudica, estagnando sua linha evolutiva em fases inferiores, de baixa vibração. Não é à toa que se alimenta de pensamentos negativos e de sentimentos bastardos, como o ódio e o rancor.

Esfregando os olhos, como que querendo acordar, pergunta se sua situação é tão grave assim e deixa escapar que não encontrou nada sobre anjos castigadores na internet ou em livros especializados.

Gastón informa que isso é um segredo guardado a sete chaves por muitas religiões e seitas. Afinal, é mais fácil dizer que tudo de ruim vem do demônio do que admitir a existência de um Deus capaz de castigar. Por isso essa ordem de anjos, que transitam entre o céu e o inferno, foi transformada ao longo dos tempos em um tabu.

O médium adverte que este é um assunto perigoso, que não pode se tornar público, ainda mais porque eles não estão mexendo com um anjo castigador qualquer, mas com Jhaver, o senhor deles.

Sebastian não resiste e questiona:

- Mais poderoso que Miguel?

- São ordens diferentes, meu filho. Assim como Miguel é o mais poderoso na ala dos arcanjos, Jhaver é soberano na dos castigadores.

- E Deus nisso tudo?

- Deus não pode interferir. A existência dos anjos castigadores é fundamental para manter a ordem e a supremacia divina.

- E porque insistem em chamá-lo de anjo.

- Anjo quer dizer mensageiro de Deus. Podem trazer notícias boas ou ruins. Jhaver é um mensageiro do castigo. Geralmente a palavra castigo tem uma conotação negativa, mas se for pensada enquanto aprendizado o sentido muda por completo.

- E por que meu anjo da guarda não me protege?

- Ele pode dialogar e ponderar com o castigador, mas os dois não vão duelar por você. A função do anjo da guarda ou, do espírito guardião como nós o chamamos, é ajudá-lo a progredir. Se os castigos são para ajudar nesse processo, o seu protetor espiritual não pode interferir.

- E de que adianta ter um anjo da guarda então?

- O seu guardião espiritual tem a função de aconselhar, consolar, sustentar suas atitudes durante as provas que a vida lhe impõe, como os castigos.

- Grande coisa...

- Não blasfeme, pois sem essa proteção você já teria caído.

- Mas há de haver alguém que possa...

- Nem seu anjo da guarda, nem São Miguel, nem Nossa Senhora, nem Deus... ninguém vai destruir Jhaver como você quer. Se Jhaver existe é por causa de pessoas como você, que merecem um corretivo. Porém, à medida que for se arrependendo de seus erros e se fortalecendo em fé, os seres celestiais vão lhe ajudar a superar isso...

- Difícil entender...

- É que você sempre pensou de outro modo, de que anjos e santos iriam lhe salvar de tudo. Mas os espíritos superiores não nos salvam de nós mesmos, não nos impedem de errar através de alguma interferência sobrenatural, não nos desviam de nossas provas, não evitam nossos castigos. A vida terrena é uma espécie de escola e a dor e o sofrimento são instrumentos que, se preciso, são utilizados em nossa educação.

- Então você acha que tudo o que passo fui eu quem provoquei...

- De certa forma sim.

- E por que vocês estão metidos nisso? Deixem que eu seja castigado de uma vez! Afinal, o senhor não acha que eu mereço cada chicotada, que castigos são benéficos...

- Calma. Entendo a sua revolta. Você ainda tem pouca compreensão desse universo. Eu, Valentina e outros colegas podemos e vamos interferir se houver incidência de abusos. Não queremos que umbralinos aproveitem da castigação em benefício próprio nem que Jhaver ultrapassar a dose...

- Então eu tenho culpa de minha mãe estar alimentando minha avó com sua raiva...

- É claro que não. Esse é um dos abusos que devemos evitar. Nossa intenção é poder ajudá-la. Mas, como disse, há mais pessoas alimentando esse castigo...

- Eu até desconfio de quem seja...

- Não levante falso para não atrair mais castigos!

- Eu vou conversar com minha mãe, vou colocá-la contra a parede, vou fazer com que pare de incentivar minha avó...

- Isso não vai adiantar em nada. Pelo contrário, só vai lhe dar força ao ver que sua empreitada está tendo sucesso.

- Vou matá-la então...

- Pelo amor de Deus, como pode dizer tantas besteiras. Depois não quer ser castigado. Além do mais, saiba que ela morta pode lhe infernizar muito mais do que viva. O caminho não é esse.

- E qual o caminho, Sr. sabe tudo?

- Dispenso suas ironias. Estou aqui para lhe ajudar a atrair energias boas, positivas.

- Ou seja, você quer que no meio dessa confusão toda eu vire uma espécie de budista.

- Sem brincadeiras, por favor. O assunto é sério. Estamos no meio de uma batalha.

- Consegue ver Jhaver, minha avó ou algum umbralino aqui neste escritório?

- Não.

- Você está vendo espíritos de luz aqui armados com espadas luminosas?

- Também não.

- Então onde está acontecendo essa batalha espiritual? Dentro da sua cabeça?

- Há vários amigos espirituais lhe oferecendo colo, estímulo e coragem. Eles não vão fazer você aceitar na loteria ou coisa parecida, mas irão lhe apoiar no enriquecimento dos bons sentimentos, nas experiências da vida carnal...

- Vamos ser específicos. O que eu preciso fazer para me livrar desse inferno?

- Mudar seu modo de pensar e de agir. Se continuar com essa postura irredutivelmente ignorante continuará sendo castigado facilmente. Tente se lembrar porque sua avó está tão perturbada com você. Ao contrário de ficar com raiva dela, reze por ela, para que ela consiga encontrar uma estrada de luz. Mostre o seu lado bom. Esqueça a revolta. Pondere as palavras. Pratique a solidariedade.

- É por isso que eu não gosto de espiritismo. É uma doutrina açucarada demais e seus seguidores acham que detêm o conhecimento do mundo. Aliás, dos mundos.

- Pelo visto vai ser mais difícil do que eu pensava.

- Agradeço a visita, sua atenção, mas vou resolver as coisas do meu jeito.

Sebastian se levanta e abre a porta do escritório, como que colocando Gastón para fora.

O médium se levanta e, antes de sair, diz:

- Foi um prazer. Eu lhe espero no centro espírita para continuar com o processo de orientação espiritual.

Sebastian sorri enquanto pronuncia entre os dentes:

- Orientação espiritual, quem precisa?

Observação do autor: Atenção leitores, próximo capítulo no dia 11 (terça-feira). Até lá!


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