Daniel Campos

O Castigador


2010 - Romance

Editora Auxiliadora

Resumo

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25/04/2011 - Capítulo 66

Último capítulo

A editora propôs um centro cultural, como o Recoleta ou o Ricardo Rojas, da Universidade de Buenos Aires, e até mesmo uma daquelas salas de teatro que movimentam a Avenida Corrientes. Shoppings, livrarias, restaurantes e outros centros espíritas ofereceram suas instalações para sediar o lançamento do livro mais esperado dos últimos tempos, mas o autor estava irredutível. Para ele, o evento não podia acontecer em outro lugar senão no centro espírita Sementes de Luz.

Não quis apresentações musicais ou refinados coquetéis. Artistas e empresários queriam a todo custo colaborar com o lançamento, mas Sebastian optou por uma cerimônia simples. O evento aconteceria no salão do centro, logo após a sessão espírita de uma quinta feira. Depois da palestra e dos passes, o livro seria lançado. A intenção era não espetacularizar esse momento e adaptá-lo à doutrina espírita. Mas estava difícil.

Câmeras e gravadores viviam apontados para a casa de Sebastian e para os lugares que ele tinha costume de freqüentar. A mídia, em geral, especulava todos os detalhes que envolviam essa obra e seu autor. A editora precisou reforçar seu esquema de segurança para que o conteúdo, ou parte dele, não vazasse. Os boatos davam conta que o livro, antes do lançamento, estava valendo uma fortuna no mercado negro. A obra seria lançada tendo vendido, sob encomenda, dezenas de milhares de exemplares.

Mesmo com todo esse furor, Sebastian não cedeu. O lançamento seria no centro espírita que, de certo modo, mudou sua vida. Valentina e Malena estavam orgulhosas disso. Afinal, o Sementes de Luz foi construído pela família Palacio. Outra coisa que rendia orgulho era o fato da renda obtida pelo livro ser inteiramente dedicada a projetos sociais desenvolvidos pelo centro. Muita gente teria sua vida modificada, de um modo ou de outro, a partir do livro.

Outro ponto que causou desconforto junto à editora foi a decisão de Sebastian não autografar o livro. Insistiu que quem deveria fazer dedicatórias era Jhaver e não ele. Além disso, o que as pessoas deviam buscar não era um autógrafo, mas os ensinamentos trazidos pelo conjunto da obra. Bateu o pé e conseguiu que o lançamento ocorresse de uma forma particular, sem noite de autógrafos ou festejos.

As discussões com a editora não pararam por aí. O autor conquistou uma vitória importantíssima junto aos empresários. Economizando o dinheiro da série de lançamentos prevista, uma parcela dos livros poderia ser destinada gratuitamente aqueles que quisessem adquirir um exemplar e não pudessem pagar por ele. Era a maneira encontrada por Sebastian para permitir que todos os interessados tivessem acesso a esse conhecimento.

Mesmo não apelando para uma gama de atrativos, o salão de eventos do centro ficou apertado e os convidados lotaram os jardins e boa parte da rua, que foi fechada pela polícia. Todos estavam ali, reunidos para o último capítulo da história que tem Jhaver como grande protagonista.

Amigos de Sebastian e fãs, autoridades do espiritismo e curiosos, jornalistas e freqüentadores do centro. Todos ali, juntos, disputando um exemplar da obra que ameaça mudar os rumos da bibliografia sagrada. Ao menos, é isso o que diz a crítica.

Conforme combinado, não há autógrafos. O coquetel, como acontece nas atividades do centro, foi feito da seguinte forma: cada um leva um prato e um refrigerante. Resultado: não havia mesa para colocar tantos comes e bebes. O que sobrasse seria doado.

A satisfação daquele que possibilitou que a história de Jhaver fosse conhecida era grande. Sebastian estava feliz e aliviado ao mesmo tempo. Conseguiu cumprir a tarefa que lhe fora confiada e agradar tanto encarnados quanto desencarnados, além de si próprio.

Tanta alegria não é capaz de interromper as investidas da tristeza. De repente, a mãe de Jhaver, vestida com trajes de gala, vestido longo e muitas jóias pelas mãos, punhos, orelhas e pescoço, avança para cima da pilha de livros e começa a rasgá-los. Esperneia, fala palavrões, maldiz Sebastian, Jhaver e o espiritismo como um todo. Afirma e reafirma que não acredita em nada daquilo. Que seu filho não é santo e que essa história de alma de outro mundo só serviu para afastar seu filho dela.

Diz que Malena e Valentina fizeram uma lavagem cerebral em seu filho. Que o tiraram de sua casa, de seu convívio, de seus braços. Rasga aquelas páginas com raiva, com ódio, como que possuída pelas sombras que há muito a habitam. Não há espaço pra mais nada dentro dela senão para sentimentos menores. Rasga como que querendo destruir a fase iluminada do filho. Rasga como que querendo negar a existência de outras vidas e de alguém que possa castigar seus pecados. Rasga como que querendo rasgar sua relação com Sebastian.

Ela é contida por populares. Sebastian pede para que a levem para casa. Ela se debate, se esquiva e sai correndo pela noite escura. Os repórteres lhe crivam de perguntas e ele toma um copo d’água sem responder nada. Certas coisas ele não poderia julgar ou mudar. Não dependia dele. Sua mãe era um caso particular, mas muitos reagiriam negativamente ao livro. Muitos iriam rasgá-lo física ou mentalmente falando.

O frisson do lançamento daria lugar, em breve, a um cenário mais duro. Das dezenas, milhares, milhões de sementes lançadas apenas algumas germinariam. As restantes continuariam secas, estéreis, apodrecidas. O poder da descrença, da acomodação, do medo é muito maior do que o da fé, da vontade de mudar, do desejo de aceitar o novo.

Sebastian estava com os pés no chão, sabia que muitos não conseguiriam vencer o primeiro capítulo. E dos que chegassem até o fim, muitos relutariam em trazer a leitura à prática. Mas então para que tanto trabalho? A esperança era tocar a alma e abrir o campo de visão de algumas pessoas para que essas pudessem vencer a cegueira, que insiste em dominar a humanidade, e se somar ao exército da luz.

Há muitos encarnados que colaboram com a missão dos seres de luz, possibilitando cultivos de amor e bondade não só na terra como em todo o universo. Além disso, como muitas vidas estão ligadas a evolução de um traz ganhos para muitos.

Era isso que movia Sebastian e dava o tom em seu pequeno discurso. Afinal, ele foi uma dessas sementes que brotou vencendo uma série de obstáculos e adversidades.

- Jhaver permitiu que eu nascesse novamente. Abriu meus olhos, minha mente, meu coração. Deu sentido a minha caminhada. Aliás, guinou e guiou os meus passos. Foi meu castigador e meu anjo. Não sou escritor, aliás, não sabia que era escritor até sua chegada. Outros livros podem vir ou este pode ser o único. Tudo depende se voltarão a me inspirar ou, até mesmo, me ditar alguma coisa. Muito do que está escrito aqui eu não conhecia. Não aprendi em cursos, não li em livros, não ouvi de ninguém. Mas eu escrevi. Aliás, eu fui simplesmente a mão, o canal, a ferramenta que permitiu que Jhaver escrevesse e trouxesse o escritor que fui em vidas passadas de volta. Como disse, nasci outra vez.

Ao fim do discurso, surge uma música alta e um casal começa a dançar um tango. A música e os dançarinos aparecem de repente e tomam conta do espaço. Não havia apresentação alguma programada para aquela noite. Seria alguma surpresa da editora? Difícil, o autor não quis qualquer atração que pudesse tirar o foco ou a seriedade daquele momento. Seria então um presente oferecido por algum desavisado? Seja o que fosse havia um mistério nada agradável naquela apresentação.

A dança emana um tom trágico. Ambos os dançarinos têm os rostos cobertos por máscaras e trajam roupas de cores fortes. Tudo é muito bruto, contrastando com a delicadeza proposta. Ninguém consegue explicar a razão daquilo. O discípulo de Jhaver arrepia ruim Ao fim do número, o dançarino joga um botão de rosa para Sebastian. Um botão de rosa escuro, quase preto, feito de algum material sintético.

É a deixa para que as luzes se apaguem repentinamente. Entre aplausos e gritos, ouvem-se três disparos.
Gritaria e corre-corre.

Quando a luz volta, em meio ao tumulto, Sebastian está caído ao chão.

Buracos na blusa. Parece não respirar.

A dor do impacto das balas contra o peito foi forte demais.

Flashes e mais flashes. Gritos e mais gritos. Lágrimas e mais lágrimas. Caos.

Malena corre para junto do marido. Micaela fecha os olhos. Valentina respira fundo. Tomas aperta a mão da vó.

Aquela rosa negra foi um aviso. Havia algo de mórbido naquela dança, de morte naquelas pétalas.

Tanto sofrimento e sacrifício pra quê? Pra morrer com seu “livro sagrado” nas mãos? O livro, por sinal, seria um fisco. Afinal, aquela morte seria um castigo? E onde está Jhaver que não foi capaz de salvá-lo? Será que o abandonou? Será que o traiu? Será que foi tudo uma farsa?

Poucos segundos são suficientes para a manifestação de uma leva de pensamentos negativos. A fraqueza, principalmente em momentos de terror, é uma das principais causas da destruição da espécie humana. Se Jhaver estivesse ali certamente o queimariam numa fogueira junto daqueles livros.

Queimariam os livros sem ao menos lê-los, entendê-los, compreendê-los...

E depois se arrependeriam. Afinal, o remorso viria com gana. E viria logo. Para espanto de todos, passado alguns segundos daqueles disparos, Sebastian se levanta e o autor do atentado é preso.

Quem condenava Jhaver, passa a gritar: milagre, milagre! O anjo castigador que virou samaritano, agora, a exemplo de deus, ressuscitou seu discípulo.

Ou será que ao contrário de ressuscitado, Sebastian é um fantasma? Um espírito materializado ali, diante de todos, para dar a devida veracidade a sua obra.

Será que tudo foi proposital ou um golpe do destino? Marketing ou acaso?

Hernandez, que voltou realmente para se vingar, como profetizado por Alicia, é algemado por policiais que estavam à paisana.

Diante de tamanha confusão, Sebastian, volta ao microfone, para explicar.

- Como eu disse, este livro é um mistério, repleto de ensinamentos e fatos surpreendentes. Existem eventos passados e profecias. Dentre muitas outras coisas, este triste episódio está escrito nessas páginas junto de tantos outros. Não sou um espírito ou alguém que ressuscitou como pensam alguns. Também não pude interferir mais do que me foi permitido. O que eu pude fazer foi avisar a polícia e vestir um colete à prova de balas. Tive de confiar que os tiros atingiriam o peito e não a cabeça, por exemplo. Obtive autorização para contar para minha família e para mais ninguém. Peço desculpas pelo transtorno, mas esse acontecimento teve um propósito.

- O propósito de nos assustar? Interrompe uma jornalista.

- Não! O propósito de confirmar que vocês ainda não acreditam na existência de universos paralelos. O fato de eu ser assassinado não pode condenar toda uma obra. E foi isso exatamente o que vocês fizeram. Os seres de luz podem nos ajudar, mas não podem fazer mudanças bruscas na nossa trajetória. Quem muda nossa vida somos nós. E a morte é só mais uma etapa dessa vida. A morte não deve assustar, tampouco revoltar ninguém.

- E o que mais estava profetizado neste livro, o fim do mundo? Pergunta alguém desesperado.

- O fim do mundo já acontece diariamente, tanto fora quanto dentro de cada um de nós. Os cavaleiros do apocalipse – guerra, fome, morte e peste – já estão soltos há muito tempo. E os mortos voltam à vida no processo de reencarnação. O cerne da questão é que algo mudou no funcionamento dos mundos com a transformação de Jhaver, de castigador para samaritano. Uma mudança que ainda não acabou por completo e cujos efeitos ainda não são conhecidos, tampouco foram sentidos pela maioria.

- Que efeitos? Aborda um senhor de chapéu.

- Eu não posso dizer. Mas imagine o que pode causar o fato do senhor dos castigos dizer “não” à continuidade do processo de castigação de outros seres.

- Jhaver está aqui? Indaga uma adolescente.

- Sim. Hoje, aqui, no meio de nós, dar-se-á o fechamento de um ciclo na trajetória evolutiva de Jhaver. Será sua última descida a Terra até que uma nova fase inicie em sua existência.

- Que fase? Voltará a ser castigador, será samaritano de uma vez, vai duelar com Deus ou com o Diabo? Questiona um repórter.

- Digamos que o destino dele ainda está em aberto, assim como o nosso.

- Como assim?

- Só lendo o livro para saber – ri Sebastian – afinal, ninguém quer que eu conte o fim dessa história. Porém, posso garantir que o último capítulo não acaba aqui.

Observação do autor: Apesar do título, conforme dito por Sebastian no último parágrafo, o livro não acaba aqui. Aguarde, em breve, novos capítulos.


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