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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 192 de 320.
08/08/2011 -
Oração da segunda-feira
Que os deuses do clarão me tirem das sombras nessas manhãs de segunda-feira. Manhãs frias e vazias, propícias aos desejos de não, de não me queira bem. Que os deuses da estrada alongada me permitam ir além do parapeito da minha sacada. Que eu possa subir por escadas imaginárias e me vestir com a indumentária do céu. Não falo do céu dos anjos ou dos santos, mas do céu das estrelas que existem para além dos calendários e da fraqueza humana que se agrava a cada nova segunda-feira.
Que os deuses do deserto me transformem novamente em feto, para eu nascer em um tempo distante desta segunda-feira. Um tempo sem preguiça, sem mau-humor, sem canseira, sem pré-julgamento, sem dor, sem fantasmas, sem pavor. Que os deuses do ne me quitte pas me façam aceitar cada ponto, cada vírgula, cada linha, cada pausa que venham a cair sobre mim ou em meu caminho nesta segunda-feira. Que eu saiba lidar com as interrogações, com os tempos verbais, espirituais e carnais. ...
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07/08/2011 -
Ela não era do mar
E foi então que ele entregou seu maior segredo na frente das câmeras, em rede nacional, no horário nobre, no intervalo do jornal. Ela titubeou, gaguejou, fez olhos de choro, envermelhou as maçãs do rosto. Não conseguiu dizer que era mentira. Diante de tanta indelicadeza, assumiu, sem qualquer vaidade, sua fraqueza, sua fragilidade. Ela tinha medo do mar. Era uma espécie de sereia da areia. Não suportava as ondas da maré cheia. Dizia até que o sal do mar deixava-a feia. Mas não havia desculpa que desse jeito na situação. Um tremendo mal-estar. ...
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06/08/2011 -
Pintada de sol
Há anos seu corpo não vê tinta. Não me falo das tinturas de cabelo ou dos esmaltes das unhas. Também não me refiro aos batons cor de carne, tampouco aos pós e lápis que usa no rosto. Falo unicamente do sol. Há quanto tempo seu corpo não toma um banho de tinta solar? Está tão mais próxima da lua do que do astro rei nos últimos anos. Sua pele anda pálida, fria, sombria. Não que eu não admire os mistérios lunares e os corpos lunáticos, mas fico preocupado com essa sua falta de cor, com essa sua tendência ao transparente, ao nude, ao oculto, ao invisível......
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05/08/2011 -
Esperança, minha meia-irmã
A esperança tem o meu sangue. No entanto, o parentesco não nos mantém unidos. Nossa relação é relapsa. Ficamos semanas sem nos falar. Ultimamente só nos encontramos em aniversários e enterros de outros parentes como o sonho, a angústia, a incerteza, o destino. Embora ela adore me dar de comer, eu ando enjoado de suas promessas. Já teve um tempo em que esperei muito por ela. Até que me cansei de esperar a esperança esperançar.
Já vivi com ela um incesto sem limites e sem pudores. Eu e a esperança, amantes tórridos, vivendo em um mesmo corpo. Tive uma paixão doentia por ela. Só que ela me traiu com o tempo, quebrou minhas expectativas e me envenenou com doses de depressão. Depois dela, nunca mais fui o mesmo. Antes, deveras apaixonado, eu via a esperança nos outros e nas coisas que eu fazia. Hoje, estou cego. Perdi a confiança na vida que está por vir. ...
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04/08/2011 -
Capítulo 67
E eis que um ano se passa. Um ano sem notícias de Jhaver. Um ano. Para os humanos, muito. Para os espíritos, nada. Um ano. Tempo suficiente para descobrir um novo deus, para pegar outra estrada, para derrubar uma verdade, para nascer, para morrer, para renascer...
Tempo para enlouquecer. A mãe de Sebastian perde o pouco que lhe restava de lucidez. Surta. Passa a viver em uma clínica repetindo variações de uma ladainha sem fim:
- Meu filho não é meu filho. Meu filho é filho do castigador. Meu filho é o castigador. Eles têm o mesmo sangue, a mesma sina, o mesmo ímpeto em castigar. Meu filho castiga. Meu filho é o castigo. O castigo em pessoa. É isso o que ele é, o castigo, o castigo e o castigo....
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04/08/2011 -
Sem defesa
Cansei de me defender. Assumo a covardia como estilo. Nunca fui um valente. Jamais briguei por mim ou por quem quer que seja. Sempre me escondi. Sempre me esquivei. Não me importei em cair tantas vezes. Cheguei até a me fingir de morto. Apanhei muito sem revidar. Não sou dado a gestos heróicos. Tornei-me insensível a injustiça particular e alheia. Se possível, passo invisível pelas confusões, pelos canhões, pelos arpões, pelos grilhões, pelos turbilhões...
Não defendo a minha vida, o meu casamento, os meus filhos, o meu cachorro. Não defendo os meus ideais, tampouco as minhas ideias. Não defendo a minha comida, a minha casa, o meu salário. Não defendo as luas que me cobrem, os deuses que me rogam, os desejos que me habitam Não defendo a cachaça que engulo, o suor que derramo, a boca que beijo. Não defendo minha cara amarrada, minha amada, minha ladra, minha jornada, minha invernada... ...
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03/08/2011 -
Inocente ilusão
Ele vivia num mundo surreal. No mundo da lua. No mundo da imaginação. No mundo das canções. Ele vivia num mundo de plumas e molas, capitão do seu colchão à vela. Navegava pelo quarto, enfrentava os pesadelos com pernas de pau e de um olho só. Volta e meia se apaixonava por uma sereia e acordava nu na areia.
Cavava seu jardim à procura de um tesouro perdido. Conversava com duendes, flertava com fadas, passeava em naves espaciais. Cavalgava em um unicórnio pelas florestas e se pegava montado em uma cadeira, pulando pela sala de jantar. Conversava com a lua, se dependurava nela, até que alguém lhe mandasse largar o lustre. ...
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02/08/2011 -
Mais sobre a saudade
Há saudade por toda parte. As fábricas de saudade estão funcionando a plenos pulmões. Produção em massa. No entanto, a saudade artesanal ainda é um artigo bastante cobiçado. Saudade de gente famosa e anônima. Saudade pública e coletiva. Saudade individual e oculta. Saudade inédita e centenária. Saudade sacra e promíscua. Saudade supérflua e necessária. Saudade confidencial e exposta como uma fratura.
Saudade, saudade, saudade. A todo o momento, em qualquer parte. Saudade como bem de consumo, como droga, como arte. Saudade em seres presentes e ausentes. Saudade amarga e, ao mesmo tempo, tão doce. Saudade franca, amorosa e desinteressada. Saudade dissimulada, odiosa e egoísta. Saudade rústica e pomposa. Saudade acidental ou objeto do próprio destino. ...
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01/08/2011 -
Mãe das sombras
Sua mãe vivia para destruir sua paz. Sua verdadeira vocação era infernizar a vida pessoal, profissional, sentimental e espiritual do filho. Perseguia-o. Torturava-o. Combatia-o. Era uma guerra maternal sem fim. Se pudesse, ela transformaria o cordão umbilical em rédeas só para fazer o filho puxar sua carruagem estrada afora. Tratava-o como um subalterno, um submisso, um subpedaço de seu corpo. Queria que ele fosse seu empregado, seu escravo, seu animal de estimação. Ah! Como ela desejava tê-lo como um daqueles bibelôs que ela tira o pó e leva para onde quer, mantendo-os na unha. ...
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31/07/2011 -
Ela domingo
Era domingo. Era só isso o que sabia. Nada mais. Era só a certeza de uma data, ou melhor, de um dia de uma semana que não lhe trouxe maiores lembranças. Não sabia quem era, somente que viveria mais um domingo. Talvez o último, talvez o melhor ou o pior também. Não se lembrava de segundas ou quintas, nem de quartas ou sábados, tampouco das terças, mas acordou com a certeza de que estava num domingo. Isso poderia ser um sinal ou um avanço, seja lá de sua sanidade ou se sua loucura.
Era dia de vestir sua melhor roupa e seguir aos almoços familiares, ao cinema, ao estádio de futebol, à igreja, à praça, à sorveteria, à casa do namorado... No entanto, ela só tinha pijamas no guarda-roupa. Dezenas deles. Seja lá quem fosse, vivia boa parte de seus dias na cama. Também não se lembrava de ter família, de seu filme preferido, de seu time, de sua religião, do endereço da praça, de seu sabor de sorvete, de ter alguém para beijar e dividir seus esquecimentos. ...
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