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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 191 de 320.
18/08/2011 -
Hei de viajar
Hei de viajar pelo seu corpo, pelas suas linhas geométricas e telefônicas, sem quaisquer cerimônias. Hei de viajar pelas suas ligações umbilicais, zodiacais, extraconjugais. Hei de viajar pelos querubins e pelos seus demônios, entre o enxofre e o jasmim. Hei de viajar pelos seus cantos, dos retos aos mais obtusos, como um perfeito intruso. Hei de viajar até que eu não saiba mais começam meus limites e findam suas afrodites.
Hei de viajar em passos suficientemente longos e pausas mudas, meditando em seu tempo particular todos os meus budas. Hei de viajar tomando para mim partes das suas asas, das suas artes. Hei de viajar pelas suas poeiras, pelas suas lamas, pelos seus desconfortos, pelas suas desordens até que todo sentimento apague as luzes que nos casam num mesmo palco. Hei de viajar trágico e nostálgico pelos seus fatos. ...
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17/08/2011 -
Sem abusos
Se ela falou, por favor, perdoe. Se ela chamou, sem rancor, voe. Se ela sangrou, dor em dor, doe. Faça uma doação de palavras; crava as unhas em teu céu de manhãs, manhas e mumunhas. Rasgue nuvens, desfie horizontes, entonte estrelas, mas não caia nem traia a lua que ela te deu. Se ela chorou, abençoe o pranto que jaz. Se ela cantou, entoe o encanto que há. Se ela badalou, soe o acalanto de lá. De lá de trás dos temporais escusos, onde a vida se refaz sem maiores abusos.
Depois de sangrar, de badalar, de cantar, surge amena e intensa, como Maria, como Madalena, como que vinda de uma mutação poética. Impossível observá-la de soslaio. Os olhos varrem seu corpo e interrogam cada célula. Os olhos perguntam de um tudo andando de um lá para outro. Vez em quando esses mesmos olhos tropeçam em sua geografia, machucam-se em seus espinhos e confundem seu suor com maresia, seu perfume com vinhos. ...
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16/08/2011 -
Sacolas de memórias
Atravessei os últimos dias com sacolas carregadas de memórias. O viço bom das histórias que insistem em viver após o ponto final. Sob o pretexto de amar, pedaços de sorrisos e silêncios, de súbitos e pausas, de suspiros e desfechos vão se colando, formando assim um só corpo. No caminho, cheiros, sons e texturas me alcançam. Sabores aconchegantes me conduzem numa barca de sonhos e medos pela água da boca.
As cores do que é verde e maduro se contrastando na composição de um cenário que mistura sequências de futuros e pretéritos. Lembranças aromatizadas. Tardes matizadas. Temperos em movimento. Afetos meticulosos sob o mesmo teto. O teto da imaginação. Ilusões inéditas e usadas, novas e quebradas, reformadas e inutilizadas esperando para nascer, para morrer, para renascer ao mínimo toque da vara de condão da esperança. ...
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15/08/2011 -
Recado de Iansã
Iansã mandou lhe dizer que amanhã o vento vai trazer uma febre terçã de sofrer pra essa gente que não sabe viver de paixão. Vai vir tempestade, de raio e trovão, pra mostrar que a saudade é a semente da solidão. Iansã não perdoa quem machuca à toa a ilusão de seus filhos. Os estribilhos da sua canção espalham o medo e o segredo da sofreguidão. Iansã, Eparrei Oyá. Iansã, vem castigar quem não sabe amar.
Iansã, dona das ventanias, não hesita em dar seu corpo e coração a quem se apaixona. Mas ela quer sinceridade. Ela quer entrega. Ela não nega desejo. Ela não foge à luta. Iansã é a força bruta da paixão. Iansã é a vermelhidão. Iansã é o beijo. Iansã é o que queima. Iansã é a cama. Iansã é a chama de quem ama. Iansã Eparrei. Iansã tem o rei da justiça aos seus pés. Fé na rainha dos raios que tem os cupidos por seus lacaios. ...
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14/08/2011 -
Vou indo de trem
Enquanto você não vem, vou indo de trem. Vou além das linhas, de onde alcance os olhos do maquinista. Não sei se lhe convém saber, mas vou de estação em estação à procura de um pouso. Se com alguém ou de ninguém, vou de trem. Sem você, viajo refém de uma esperança que já se cansa de pulsar em mim. Sem você, sou o mais recém-passageiro que arde nas fornalhas desse trem carmim. Sem você, sigo num vaivém entre querências e clemências. Vou com dezenas de vagões de canções e solidões e também ao lado das ilusões que me fazem pagar seus bilhetes. Vou de trem e lá se vai meu vintém, minha sorte, meu querer-bem. ...
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13/08/2011 -
Peoa de boiadeiro
De um jeito um tanto queixudo, ela chega e se apresenta em meia dúzia de versos improvisados. Menina peoa nascida no interior do interior em berço caipira. Mulher parceira, adolescente tranqueira. Moça xucra, que pisa nos homens como se pisasse no chão duro. Pisa firme. Pisa forte. Pisa doído. Nem boi bandido nem peão malandro domam seu coração nem lhe tombam na arena em dia de apresentação.
Amassando lama ou levantando poeira, gosta do mato e noiva com o sertão toda noite de lua cheia. Chega a chorar ouvindo violeiro pontear histórias de solidão. Mulher ajeitada e aporrinhada, de corpo bitelo, chega a dar febre nos peões de boiadeiro. Não é de negar pulo. É de rodeio, mas não é de cancha. Encara boi xucro e cavalo velhaco no laço de sua corda americana. Seu colchão é de feno, sua cama é cigana. ...
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12/08/2011 -
Estouros
Do silêncio mais fundo que há no mundo o amor estourou como bomba de Hiroshima, como bolha de sabão, como flor de São de João. Estourou feito balão em festa de criança, feito sorriso na boca de palhaço, feito bolha na mão de lavrador. Estourou num atestado de instabilidade, de desequilíbrio, de volatilidade. Porque não pode mais conter, estourou. Estourou o cano, estourou o cheque especial, estourou os pontos e estourou o grito de carnaval. Estou a guerra, a crise e o inferno astral. Estourou sem ontem nem amanhã estourou carpe diem como bolsa de grávida. ...
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11/08/2011 -
Claros Montes Claros
Claros Montes os olhos teus tão transparentes quão inocentes diante dos meus. Montes Claros de um azul além-tejo, de um sol sertanejo, de um coração lugarejo, de um beijo, de um lampejo, de um desejo... Claros Montes, ilhas sem mar, pedras de luas caídas ou fêmeas mastodontes erguidas ao fundo das ruas. Montes Claros dos cavaleiros, dos doceiros, dos cancioneiros de Minas. Minas das meninas dos Claros Montes, que apontam como seios perdidos no horizonte.
Montes Claros... Será que é lá naquelas corcovas que mora Nossa Senhora do Amparo ou Nosso Senhor das Trovas? Montes Claros dos faros dos capitães do mato que caçam pães de queijo, pães de goiabada, pães de Romeu, pães de Julieta... Montes Claros do suor escorrendo como chuvisco de sal pelos trens do seu corpo inconsciente. Sentimentos torrentes desaguando em seu corpo monteclarense feito cheia de São Francisco. Montes Claros, candelária das Gerais, que fica de namorisco com Januária. ...
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10/08/2011 -
Saudade alpina
E de tudo ao meu amor-perfeito serei saudade. De tê-la num estribilho pelos passeios de trem nos trilhos da serra serei saudade. De ter lábios alheios aos meus nas notas finais de um chocolate quente serei saudade. De tê-la pelas ruas estreitas pisando nos meus passos serei saudade. De ter olhares de lã me envolvendo em meadas de linhas e geadas e vinhas serei saudade. De tê-la canção em lareiras e ladeiras e beiras de estação serei saudade.
De mergulhar meu corpo ao dela como numa panela de fondue serei saudade. De tê-la entre camadas e camadas de coberta serei saudade. De suas palavras levadas pela canção de Jobim serei saudade. E de tudo ao meu amor-perfeito serei saudade. De tê-la entre o branco e o rosa das cerejeiras serei saudade. De um tempo que passa de charrete sob as minhas janelas serei saudade. De tê-la sem juízo num sorriso alpino serei saudade. ...
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09/08/2011 -
Reviravolta
Nunca pensou em se divorciar. Achava que tinha algum problema por nunca ter pensado isso. Não tinha motivos para cogitar a separação. Não desconfiava da mulher com quem era casado há dezesseis anos. Nem se lembra de quando foi à última vez que brigaram. Jamais ficou tentado a trair sua esposa com quem quer que fosse. Gostava de seu jeito, de seu corpo, de suas manias, de seus temperos, de suas roupas, de seu cabelo, de sua voz, de seu sexo, de seu andar, de seus sapatos...
Gostava de um tudo em se tratando dela, era seu admirador convicto e nada secreto. Sempre fazia juras e gestos para afirmar e reafirmar seu amor. Convivia de forma harmoniosa com os parentes e amigos da mulher. A sogra o chegava a chamar de filho. Também não tinha problemas com os chefes e colegas de trabalho dela. Jamais precisou beber ou fumar ou se drogar para tentar esquecer algo de ruim que tivesse sido provocado pela esposa. ...
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