Daniel Campos

Prosas

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Salve-se quem puder

A música do plantão jornalístico da Globo invade os ouvidos. A voz de Fátima Bernardes diz que o primeiro de três porta-aviões norte-americanos chega ao litoral que já foi das caravelas de Pedro Álvares Cabral. Primeiro, como no Oriente Médio, os bombardeios. Depois, as tropas terrestres. A tão frágil democracia brasileira espalhada em zilhões de cacos. O que é isso??? O Brasil atacado por alienígenas? O trailler do novo filme de Spilbergh? Não, o Brasil tomado pelos "sem". Tudo quanto é tipo de sem: "sem-teto", "sem-terra", "sem-privilégio", "sem-sucesso", "sem-cheque especial", "sem-vergonha"... ...
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10/03/2012 - Sansão ganhou o céu dos cachorros

Sem você não há mais sentido passar na padaria. Para quem eu vou dar pão cedinho? Não acredito que não vou mais lhe ver correndo de olhos fechados pelo jardim em busca do seu pão. O quintal está num silêncio difícil de aceitar. Por que foi partir assim tão rápido? Ainda tínhamos tanto a viver, a correr, a cantar juntos. Lírico, uivava à lua. Místico, conversava toda meia-noite com criaturas invisíveis. Tinha algo de humano e de sobrenatural em sua existência canina.

Sansão, o nome do guerreiro com o qual foi batizado não combinava com você. Embora fosse grande, era frágil e medroso. O típico cão que ladra e não morde. E a força não estava em seus cabelos, mas em seu estômago. Comia de um tudo e sem parar, numa ânsia, numa intensidade, numa capacidade constante de se superar a cada prato. E tinha o coração maior que o mundo. Um solitário apaixonado pela vida e com uma insegurança de dar água nos olhos....
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28/10/2010 - Santa chuva, chuva santa

A santa chora tantas mães sem filhos, tantos filhos sem mãe. A santa chora pelos meninos do sinal, do craque, dos fuzis. A santa chora tantas mortes em vão, tantas vidas não vividas. A santa chora uma série de crucificações diárias. A santa chora pela falta de arrependimento, de misericórdia e compaixão. A santa chora pela humanidade ter sido dominada pela cegueira, pela surdez, pela insensatez. A santa chora, mesmo com tanto poder, a sua impotência diante da realidade da cidade dos homens.
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05/06/2015 - Santa do alto do morro do boi da cara branca

Lá no alto do morro do boi da cara branca, não tem asfalto só carranca. Lá no alto do morro nem a deus se pode pedir socorro porque deus por lá já deu adeus. Lá no alto a mulher só anda de pé no chão ou de sandália, pois o chão não se dá com salto. Lá no alto quando se quer noivar, casar, ficar para sempre é preciso fugir, partir, seguir antes de beijar. Lá no alto o espinho nasce antes da flor e o que se dirá do amor? Lá no alto do morro do boi da cara branca, a tensão é tanta que desejo proibido morre eletrocutado. Quem tem passado comemora por ter sobrevivido, mas chora por nunca ter dali partido. Violão segue calado, palhaço vive emburrado, pivete masca gilete e toda gente se declara inocente. Lá no alto do morro do boi da cara branca a força tanta não é dos soldados nem dos bandidos mal-encarados nem ainda dos mal-amados, mas de quem controla do perdão à esmola, de quem sabe do que voa, do que rasteja e do que rola. Lá no alto do morro do boi da cara branca quem arranca o que quer de homem ou mulher é a Santa. Santa é mais bruta do que a pedra que sustenta toda a gruta. Nasceu no Norte, deu nó na morte, e fez sua sorte no alto do morro do boi da cara branca e ali se agiganta. Santa manda prender, manda soltar, manda sofrer, manda matar. Santa anda e desanda a vida de quem bem quer. De dia é homem que não treme, a noite geme como mulher. Anda armada e nua como lhe convém, já levou facada e tiro, já sequestrou e foi refém. Santa não tem fama de fazer milagre, mas já dividiu ao meio uma lagoa de bagre e pegou pelo rabo um tigre dente de sabre. Muita coisa se conta de Santa, mas ela mesma não fala de si, nem do que sonha nem do que fez nem do que apronta. Para Santa, Santa nunca está pronta. Gosta de tomar sua cachaça, que consegue de graça, e andar tonta pela cabeça do morro do boi da cara branca. Não admite ser feita de monta nem errar na conta. Santa tem cabelo comprido, corpo de bandido e um ar mais do que atrevido. Não sei se mais por fé do que por medo, o povo do morro bota seus pedidos, suas moedas, suas vidas aos pés de Santa. Santa faz chover bala, faz corpo queimar, faz traidor pagar, faz doação a sua própria mala. Santa é de se drogar e de se achar em qualquer lugar. Mas aí de quem mexe com Santa, pois Santa não é de se beijar nem de conseguir perdoar. Santa é do pau oco e não foi feita para se quebrar. Santa corta a cabeça de quem for, por amor ou por falta de amor, no toco que fica lá no alto do morro do boi da cara branca. O que dá na cabeça de Santa ela faz sem pensar no que será que devia ter feito. Para Santa tudo tem jeito, o seu jeito. Vive de ajeito e quebra o mundo no seu peito. Santa tem tanta cicatriz e jura que nunca foi feliz. É de comer prato cheio e de não fazer volteio. Com ela nada é por um triz; Ou é ou não é assim que se diz. Santa não aceita flores e não gosta de vela, prefere o escuro e dois dedos daquela que lhe faz ainda mais Santa. Santa fala alto e firme como rei. É a lei do alto do morro do boi da cara branca que quando escuta Santa até se levanta. Santa espanta. Santa espanca. Santa impõe respeito com sua anca. Santa rebola e dá o que quer. Santa deita como homem e rola como mulher.


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28/01/2013 - Santa Maria, rogai por nós

Santa Maria das dores, rogai por nós. Santa Maria dos desesperos, rogai por nós. Santa Maria das portas trancadas, rogai por nós. Santa Maria dos rostos desfigurados, rogai por nós. Santa Maria dos queimados, rogai por nós. Santa Maria dos gritos de horror, rogai por nós. Santa Maria de tantas e tamanhas perdas, rogai por nós. Santa Maria das tragédias, rogai por nós. Santa Maria das mães que perderam seus filhos e suas filhas, rogai por nós. Santa Maria dos pais que perderam suas continuações, rogai pro nós. Santa Maria de meninos e meninas deitados em caixões, rogai por nós....
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03/02/2016 - Santo umbu

Quando a meninada passou debaixo do pé de umbu, a menina ajoelhou de fé e o menino ficou nu. Como é que é, umbu? Umbu é a árvore sagrada do sertão, desperta reza e paixão. Umbuzeiro é ninheiro de ave, árvore que dá de beber, espécie que na hora da sede vale mais do que dinheiro. Umbuzeiro é de rede, com sua copa de guarda-chuva aninha mais do que parede. Se veste de branco, como noiva do cerrado, e se dá para as abelhas num amor melado. Tatu se refestela na raiz do umbuzeiro. Inhambu vem pelo cheiro. O fruto amarelo é doce, azedo, doce, azedo, doce, azedo e chega de lero-lero. Quando a meninada passou debaixo do pé de umbu, o menino atiçou de fé e a menina ficou de olhar nu....
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19/09/2011 - Santos ouvidos

O santo, cansado de tantos pedidos, tapou com suas mãos seus santos ouvidos. Basta, gritou aos devotos que não param de pedir. Há quem peça por meio de orações, rezando terços e ladainhas. Há quem vai direto ao assunto, sem rodeios, botando o dedo na cara do santo, exigindo um milagre. Há quem peça chantageando o santo com promessas de velas, de flores, de mudanças de comportamento, de sacrifícios. Há quem peça em jejum e quem cobra de barriga cheia.

Um único santo e milhões de pedidos engavetados em seus ouvidos. Um único santo promovido à última saída para diversos problemas. Cada um quer se salvar usando a condição de santo daquele homem escolhido por Deus. Querem agora que o santo, promovido a tal, se vire para curar doenças, arranjar emprego, arrumar casamento, conseguir dinheiro, proteção e perdão divino. Querem que ele derrame seu santo suor como uma espécie de poção milagreira. ...
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22/06/2012 - São 80 anos

São 80 anos de aventura desde que uma portuguesa deu à luz ao filho de um caboclo. São 80 anos de muitos sonhos e grandes paixões. São 80 anos vencendo obstáculos, quebrando demandas, criando um mundo à parte. São 80 anos de valsas e arrasta-pés. São 80 anos transformando terra em comida. São 80 anos de um bom plantio, ponteando sempre em frente feito rio. São 80 anos de assovio. São 80 anos de sangue e seiva. São 80 anos de retalhos e sanfonas povoando sua alma. São 80 anos de vida raiada. São 80 anos encontrando sacis, lobisomens, mulas sem cabeça, boitatás e outras criaturas tão fantásticas quão sua existência. ...
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03/03/2013 - São Caetano Veloso

Se eu fosse papa, santificaria, em caráter de urgência urgentíssima, Caetano Veloso. Um santo vestido com roupas de tropicália. Sua oração terminaria da seguinte forma: “amém, ou não”. Um santo de Odara, que pensa e reza pelo Haiti que existe dentro de cada um de nós. Um ser coroado de sensibilidade e consagrado à emoção. Caetano, o último santo romântico. O santo e a tigresa, o santo sem tradução, o santo que cruza a Ipiranga com a São João. Se cantar é orar duas vezes, caetanear é estar duas mil vezes mais próximo de deus. ...
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São demais

São demais os mistérios que rodeiam uma mulher. São demais as cores e as sombras que fazem uma mulher. São demais as orquestras que habitam o silêncio de uma mulher. São demais os perigos que se afogam no colo de uma mulher. São demais os feitiços que rondam os olhos de uma mulher, (são elmos, magos, bruxas, fadas, deuses de todos os credos que se dão nos olhos de uma mulher). São demais os sonhos adormecidos no cabelo de uma mulher. São demais as formas que a geometria não soube definir presentes em uma mulher. São demais os apelos que exalam de uma mulher. São demais os ângulos criados pelo andar de uma mulher. São demais os murmúrios trazidos pelos segredos de uma mulher. São demais as alucinações que mesmo em face de tantas impossibilidades emergem de uma mulher. São demais os medos provocados por uma mulher. São demais os planos em que se esconde uma mulher. São demais as loucuras (em forma de prazer ou sacrifício) feitas por e para uma mulher. São demais os enganos escondidos em uma mulher. São demais os escândalos. São demais as hipóteses. São demais as vontades. São demais os amores hipocondríacos que se alimentam dos mistérios de uma mulher....
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