Daniel Campos

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Encontrados 278 textos. Exibindo página 3 de 28.

07/03/2016 - O rio da sede

Vasculhei as gavetas. Abri os armários. Procurei sobre o roupeiro. Vi pelas pedras do aquário. Não achei letra alguma do seu paradeiro. Andei pelos canais da TV e nenhuma notícia de você. Bisbilhotei pela internet, encontrei a Beth, a Margareth, a Ivete, mas nada de você. Perguntei para o pivete do sinal vermelho, mas ele não me deu sinal do seu cabelo, do seu joelho. Questionei o espelho e ele ainda me mostrou você vivendo em mim. Seu cheiro ainda emana das flores do jardim. Sua voz ainda grita e geme debaixo dos lençóis. E eu amanheço, entardeço e anoiteço com esses tantos nós que não desatam e me desacatam numa falta, numa ausência, numa penitência que me mata. Risquei as cordas do violão, perguntei ao nosso cachorro da imaginação, cochichei com os porta-retratos e ninguém te viu por aí. Pedi para um bem-te-vi de te ver, mas ele sumiu daqui. Pedi para um pirilampo te assuntar, ele foi como um relâmpago para nunca mais voltar. Pedi para meu anjo da guarda te guardar e ele deu de me faltar. Tudo o que era meu foi com você, meu sentido, minha razão, meu porquê. Tudo seguiu seus passos, correu para seus braços, intuiu para seus laços. Tudo do meu futuro ao meu passado foi arrastado pelas águas da sua correnteza. Sua beleza me inundou, me aguou, me levou o que eu tinha e o que desejava ter. Um rio de tromba d’água, sem anágua, sem paga. Um rio perfumoso e malicioso, de curvas e curvedos, de tantos segredos. Um rio de riscos, coriscos, perigos que me deixou sem abrigo. Um rio devastador que dá de beber para depois minguar numa sede de amor. Um rio que enche o coração, preenche de ilusão e depois some, deixando para a gente apenas o nome e o vazio.


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29/02/2016 - O povo

O povo fala que isso e aquilo, cantando igual grilo. O povo inventa, aumenta, atenta. O povo conta com o ovo antes da galinha. O povo bisbilhota com alma de vizinha. O povo futrica, leva e traz, se beija e não se bica. O povo dá o braço, mas não dá a mão. O povo quer sim, outro sim, e mais um sim, mas só fala não. O povo alfineta, não se aquieta, fala mais do que profeta. O povo prevê e não crê. O povo atormenta, provoca e não aguenta. O povo dá língua, dá íngua, dá mingua. O povo se busca e não se encontra. O povo se afasta e não se dá conta. O povo quando apedreja tem braços de polvo. O povo golpeia, enteia, machuca e ainda quer açúcar. O povo inveja, esperneia, troveja e dá às costas. O povo devora o sonho do outro, não dá nó solto, e nem chora ao servir o coração do outro em postas. O povo seduz, induz, conduz e depois corre. O povo se joga e não se socorre. O povo finge, mente, promete e não age diferente. O povo nasce, vive e morre cuidando da vida alheia. O povo caminha de duas pernas, mas na verdade serpenteia.


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26/02/2016 - O trem do hoje

Eu caí nesse mundo como um anjo apaixonado e cheguei até aqui com asas quebradas, chamuscadas, alvejadas pelo amor que ainda tropeça para ser amor. Não, não me peça clemência. Paciência com tudo o que nasce e cresce. E não se desculpe, pois não há inocência. Há culpa por atos e omissões, reflita como tem amado. Não há modelos, apenas que tudo seja verdade e intensidade. Ama e aclama esse amor por todos os segundos de sua estrada. Ama, pois é só o amor verdadeiro, inteiro mesmo sendo em pedaços, que leva dessa experiência. A penitência dos que negam, maltratam ou fazem do amor uma brincadeira é lágrima após lágrima descendo pela ribanceira. Minhas flechas de amor à primeira vista muitas vezes disparadas por este anjo de espinhos caem pelos caminhos antes de alcançar os corações a que se destinam. Muitos acabam criando barreiras em torno de si para viver o sentimento por completo, em todas suas fases e ciências. É como se fosse criado um campo de força que não permitisse a chegada do amor puro, do amor sincero, do amor jurado antes mesmo dessa vida. Quantas flechas perdidas. Quantas oportunidades partidas. Quantas almas se desencontrando, aprontando consigo mesmas e se perdendo na incompreensão. Quantas dores se aproveitando dos corações vazios. Eu, um anjo torto, um anjo deveras apaixonado, judiado pela forma como tratam os amores do dia a dia, sem o mínimo de respeito, fé e poesia, caminho com o coração maltrapilho, com um pé no trilho do futuro e outro no do passado, tentando fazer do trem do hoje uma história de amor não previamente condenada à solidão.


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17/01/2016 - O trem do dia

O trem do dia vem vindo pela serra do bem-vindo. Vem todo lindo, feito de ferro e fuligem. Vem serpenteando pelos barrancos de dar vertigem. Vem com seu Arlindo e seu Olindo e seu Gumercindo. Vem convergindo para chegar ao destino entre apitos de menino e aflitos de coração. Vem tomando impulso pelo vento do ribeirão. Vem de lata chamando atenção dos vira-latas de plantão. Vem descendo, vem crescendo, vem florescendo como flor que aparece na estação. Vem sendo esperado por uma pequena multidão. Vem correndo e vigiado pelo gavião. Vem vindo, chegando e sumindo, das vistas num clarão. Vem no sacolejo, no relampejo, no beijo de um amor sobre trilhos que a cada curva tem um filho. Vem fazendo revoada de passarada com seu barulhão. Vem com a força de um trovão. Vem chegando, se mostrando, se dando, pouco a pouco, o trem do dia entre a realidade e a fantasia, entre a lógica e a emoção, entre o que se vê e a imaginação.


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13/01/2016 - O bom da vida é perfumar

Perfuma o seu dia, o seu corpo, o seu lar. Perfuma a sua vida, a sua rua, o seu destino. Perfuma a sua boca, o seu coração, o seu caminho. Perfuma o seu lençol, a sua jardineira, o seu ganha pão. Perfuma o seu sonho, a sua vontade, a sua oração. Perfuma deixando seu cheiro por onde passar. O bom da vida é perfumar. Perfuma para lá, perfuma para cá, vamos perfumar. Perfuma a moça, o velho, a senhora, o menino, perfuma a louça, o violoncelo, o agora, o mezanino, o sótão e o porão. Perfuma de amor tudo e todos para não dar confusão. Perfuma os pés da santa, as águas de Iemanjá, perfuma e encanta por onde trilhar. Perfuma para cima e para baixo, por tudo quanto é lado, presente e passado, sem esculacho ou embaraço, perfuma porque o bom da vida é perfumar. Perfuma, perfuma, perfuma como quem dança, lançando esperança e fantasia, alegrando o dia, noite e dia, por onde estiver, venha o que vier, perfuma o quanto puder. Perfuma o cachorro, a ladeira, o morro. Perfuma a fogueira, o quarto, o parto. Perfuma a comida, o abraço, o passo. Perfuma porque o bom da vida é perfumar. Perfuma eu, perfuma você, perfumamos nós, lálálá, vamos perfumar. ...
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04/01/2016 - O que se move

Sou doido por tudo aquilo que se move, que se balança, que se vai adiante. Fascina-me a coreografia das folhas, das nuvens, dos grãos de poeira bailando ao vento. Os olhos enchem d’água vendo o tempo de chuva se levantando no barradão do dia. O bater das asas, seja de pássaros, insetos ou homens tentando voar, encanta-me. O tremer das cordas do violão, o trem saindo da estação, os raios da bicicleta girando, o piscar dos olhos, o abrir e o fechar dos lábios num beijo... Essa movimentaria me move. Os passos da bailarina, da escafandrista, da passista, da colombina, da florista, da flautista marcam-me a fogo e a brisa. O movimento das marés me faz passar horas pensando na engenharia divina e o que dizer do mundo que gira e roda sem parar sem nos enjoar?


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24/11/2015 - Os encantados do Xingu

Xingu é um mundo encantado onde não existe dor. Todos dançam, cantam e se pintam. As árvores e as pessoas são da mesma família. Eles sabem a língua do mato, do vento, dos rios, das estrelas. Tudo se comunica. A vida flui de todas as formas. E não existem normas, pecados, julgamentos. A felicidade é para todos. E o que é de todos é de cada um. O amor habita exatamente ali e se dá em suas variações como um mesmo sabiá que possui tantas canções. A fogueira é acesa. Os espíritos são respeitados. A iluminação é por todos. De tão mágico, Xingu parece não existir. Mas seus guerreiros são reais. Mas suas belas mulheres são de verdade. Suas crianças correm como meninos sem maldade. Os beijos estão para além do que se vê nos cinemas. As relações fogem dos livros de filosofia e psicologia. Xingu é de dentro pra fora e de fora pra dentro numa relação natural de troca sem exigir nada em troca. Os encantados do Xingu não existem, eles simplesmente vivem, amam e se dão ao mundo sem precisarem de entendimento ou explicação. ...
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06/10/2015 - O que de fato importa

Todos nós já caminhamos tanto, independentemente da nossa idade cronológica. Já perdemos algo ou alguém que ainda nos faz uma falta tamanha. Já pensamos muitas vezes em desistir. Já fraquejamos, caímos, tornamos a levantar. Já deixamos tantos sonhos para trás e arrumamos outros que ainda tentamos realizar. Já choramos e fizemos chorar. Já amamos e nos decepcionamos com o outro ou conosco. Juramos amor eterno e descobrimos que o pra sempre mais dia menos dia tem fim. Já cogitamos fugir de um lugar, de uma situação ou de nós mesmos e não tivemos coragem. Já quisemos ter asas, anjos-da-guarda e finais felizes, mas temos braços para abraços de chegadas e de partidas, um ao outro para se proteger e constantes recomeços. Como no velho e bonito ditado, erramos querendo acertar. E é errando que nos fazemos seres-humanos. E é como humanos que amamos de verdade. Não importa quantos anos, grandezas ou moedas nós acumulamos ao longo dessa estrada, mas o quanto de saudade conseguimos ser nos corações que cultivamos.


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17/09/2015 - Os estouros de Zé Piruá

Zé Piruá é bem moço ainda nos olhos que se encantam com as explosões do milho em pipoca mesmo depois de tantos anos vendo essa transformação dia atrás de dia bem na sua frente. Mesmo com os cabelos branquejados e com os pés tendo perdido a conta de quantos passos já foram dados empurrando aquele carrinho de pipoca pelas ruas do relento, ele faz festa a cada nova estourada. Chega que sua alma dança dentro do corpo de tanta alegria. E quando chega uma criança, seja de que idade for, ele enche aquele saquinho de papel como se enchesse um céu de estrelas. O choro vira sorriso. A birra vira agrado. A fome vira paz. O desejo vira prazer. Zé Piruá, pipoqueiro por vocação, profundo entendedor da natureza da pipoca, sempre diz que o estouro é de dentro pra fora. E assim, pipoqueando pelo mundo, com a sabedoria dos simples, vai empurrando seu carrinho dividido entre pipoca de sal e colorida, para onde lhe manda o vento. E como um homem que se dedica aos estouros tem um apelido encruado, sinônimo daquilo que não deu certo – piruá? Quando alguém lhe pergunta sobre isso a resposta é certeira. Os olhos sorriem e ele diz que é porque assim ele se alembra de que é preciso continuar estourando; Estourando mais e melhor do que estourou até agora. ...
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15/09/2015 - O seu chão

Não há nada melhor do que pisar o seu chão. Para alguns, o piso da casa, a grama do quintal, a areia da praia, o orvalho do mato, a água do riacho, o tapete do quarto, as costas do seu amor... Os pés buscam raízes invisíveis, conectando o seu agora com um passado muitas vezes desconhecido. Tudo o que está adormecido no seu chão chega a você por meio dos seus pés. Tudo o que brota, cresce e floresce no seu coração ou na sua cabeça vem do seu chão. Quando você se emociona, quando a vida ganha sentido, quando você mergulha num infinito é porque algo está passando do seu chão até você. Não importa se pisa nele de sapato ou descalço, se ele é sólido, líquido ou gasoso, se é bonito ou feio para os outros, se está no solo ou no céu, avesso ou de ponta cabeça, o seu chão é sagrado. ...
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